A gastronomia como um produto, ou mesmo um atrativo de uma determinada localidade, é muito importante do ponto de vista turístico, pois apresenta novas possibilidades, na verdade, não tão novas, mas nem sempre bem exploradas, que são as diversas formas de turismo voltadas para as características gastronômicas de cada região (FURTADO 2004).
O turismo é uma atividade, que pode impulsionar o desenvolvimento de uma localidade, e foi conceituado de formas diferentes ao longo dos anos. Todas elas, porém, levam o intérprete a um mesmo ponto, entendendo que o turismo é o deslocamento de pessoas num determinado tempo a uma determinada localidade, motivados por diversos fatores. Neste artigo entende-se turismo conforme a Organização Mundial de Turismo – OMT, 2001, onde compreende as atividades desenvolvidas por pessoas, ao longo de viagens e estadas, em locais situados fora do seu enquadramento habitual, por um período consecutivo que não ultrapasse um ano, para fins recreativos, de negócios entre outros.
Várias são as matérias primas utilizadas no desenvolvimento da atividade turística, entre elas o patrimônio cultural de uma localidade constitui-se um importante elo entre o turismo e a cultura. Associar patrimônio e turismo é algo fundamental para o sucesso da atividade, tendo em vista que este patrimônio detém, a princípio, o potencial para atrair turistas a uma determinada destinação.
De acordo com Oliveira (2006), o conceito de patrimônio histórico tem evoluído ao longo do tempo e a busca de identidade do homem urbano em meio à avalanche de informações dos mais variados setores e dos mais variados matizes – decorrentes do processo de mundialização da cultura e “facilitadas” pelo avanço da tecnologia, que proporciona o acesso à informação em tempo real, pela difusão quase que simultânea à ocorrência dos fatos – tem tirado do homem moderno o sentido de pertencimento.
Dessa forma, na busca de sua identidade, o homem recorre, inicialmente, ao patrimônio material no qual se inserem os bens edificados e os objetos que tiveram significado na formação de nossa identidade cultural. Num segundo momento, busca-se o resgate do intangível, o patrimônio imaterial, no qual se inserem as festas, as celebrações, os lugares e os saberes que fazem parte de nossa formação cultural e que, de alguma forma, encontram-se latentes no inconsciente coletivo. Pois bem, o resgate dessa história é fundamental, não só sob o aspecto cultural como por sua função social.
Neste trabalho, patrimônio é visto como, os bens naturais ou artificiais, materiais ou imateriais, sendo estes caracterizados por experiências espirituais (crenças, costumes, produções artísticos e intelectuais), haveres ou heranças deixadas pelos nossos antepassados (BARRETO, 2000). Basicamente, divide-se em dois tipos: cultural e natural. Patrimônio cultural diz respeito ao conjunto de bens de valor material ou imaterial, com significado e importância para uma sociedade, criado ao longo de sua história, que de acordo com Toledo (2003), significa:
Patrimônio cultural é a riqueza comum que nós herdamos como cidadãos, transmitida de geração em geração. Constitui a soma dos bens culturais de um povo. Ele conserva a memória do que fomos e somos, revela a nossa identidade. Expressa o resultado do processo cultural que proporciona ao ser humano o conhecimento e a consciência de si mesmo e do ambiente que o cerca. Apresenta, no seu conjunto, os resultados do processo histórico. Permite conferir a um povo a sua orientação, pressupostos básicos para que se reconheça como comunidade, inspirando valores, estimulando o exercício da cidadania, a partir de um lugar social e da continuidade no tempo.
Nesse sentido, patrimônio cultural é todo produto da ação consciente e criativa dos homens sobre o seu meio ambiente. E isso é, sem dúvida, o que distingue as sociedades e grupos sociais uns dos outros, dando-lhes identidade própria, a identidade cultural.
Como matéria prima de uma localidade o patrimônio cultural vem sendo utilizado, e, após seu formato em turismo cultural, vem despertando cada vez mais o interesse de visitantes para este seguimento turístico, assim, o turismo cultural é entendido como o tipo de turismo que dá acesso ao patrimônio cultural, ou seja, à história, à cultura e ao modo de viver de uma comunidade. De acordo com Barreto (2000, p. 19), “entende-se por turismo cultural todo o turismo em que o principal atrativo não seja a natureza, mas algum aspecto da cultura humana”.
Pode-se considerar o patrimônio cultural como importante nicho de negócios na área do turismo cultural, movimentando grandes volumes de investimentos. Para que possa perceber com clareza a importância disso, convém examiná-lo na sua especificidade com relação às demais modalidades do setor cultural.
Assim, cada vez mais o patrimônio deixa de ser apenas objeto de museus e prédios históricos, entre outros, e se insere no desenvolvimento econômico-social, começando a fazer parte das relações cotidianas da sociedade, deixando de ser um campo isolado, tangível apenas em alguns momentos especiais. Como alternativa de desenvolvimento sustentável, se mostra, inclusive, como importante aliado à conservação natural e geração de empregos, na medida em que inova o mercado, cria novos campos de trabalho e propõe a necessidade de qualificação de mão-de-obra. As mudanças contemporâneas nas dinâmicas urbanas, na prestação de serviços e nos modos de produção e estocagem reforçam a tese de inserção do patrimônio histórico na economia.
O objetivo desta pesquisa foi identificar a importância da gastronomia baiana como patrimônio cultural para o enriquecimento do turismo da Bahia.
A técnica para obtenção das informações buscando-se a realidade gastronômica baiana, foi um levantamento bibliográfico conforme Denker (1998), e analisados através do método descritivo (OLIVEIRA, 1997, p. 114), “o qual permite ao pesquisador a obtenção de uma melhor compreensão do comportamento de diversos fatores e elementos que influenciam determinado fenômeno”.
1.1 Gastronomia baiana e seus sabores
De acordo com Scluter (2003, p. 69), “a dimensão social e cultural da gastronomia determinou incorpora-la ao complexo emaranhado das políticas de patrimônio cultural”. O uso que o turismo faz desse patrimônio vem determinando que a gastronomia adquira cada vez maior importância para promover um destino e para captar correntes turísticas.
O Turismo e a Gastronomia são inseparáveis, pois não têm como se pensar em turismo, sem prever entre outros itens, a alimentação para curta ou longa permanência, onde o viajante não pode abster-se dela, e desta fora, sempre tende a experimentar a cozinha local.
O ato de se alimentar não é apenas biológico, mas é também social e cultural. Possui um significado simbólico para cada sociedade, e para cada cultura. É fator de diferenciação cultural, uma vez que a identidade é comunicada pelas pessoas também através do alimento, que reflete as preferências, as aversões, identificações e discriminações.
Através da alimentação, é possível visualizar e sentir tradições que não são ditas. A alimentação é também memória, opera muito fortemente no imaginário de cada pessoa, e está associada aos sentidos: odor, a visão, o sabor e até a audição. Destaca as diferenças, as semelhanças, as crenças e a classe social a que se pertence, por carregar as marcas da cultura.
Barreto e Senra (2001) analisam a realidade gastronômica no Brasil e sua importância para o turismo, observando que algumas iguarias gastronômicas chegam a transceder sua origem geográfica, tornando-se quase que emblemáticas peças de propaganda de seus estados. Pode-se citar a gastronomia baiana e mineira como grandes exemplos. Atuam como veículo complementar da propaganda turística, criando no imaginário popular a associação entre os destinos turísticos e a boa mesa.
A culinária no Brasil tem influências principalmente dos africanos, indígenas e do branco europeu. Em cada região do país, houve maior interferência de um desses povos. De Portugal, veio a apreciação dos brasileiros por doces. Dos índios, veio a importância da mandioca, que faz parte da culinária típica de quase todos os estados. As escravas africanas também contribuíram muito, já que grande parte delas trabalhava na cozinha das fazendas.
Considerando a amplitude do território do país, a culinária brasileira apresenta pratos ou comidas de todos os gêneros, espécies ou tipos praticados na arte culinária universal: crus, grelhados, guisados, cozidos, curtidos ao sol, aerados, avinhados, avinagrados, massas, saladas, apimentados, quentes, frios, embrulhados, picados, refogados, cozidos, recheados, temperados com alho e sal, condimentados, empanados, à milanesa, desidratados, feitos em banho maria, rescaldados, caramelados, tostados, flambados, entre tantos outros.
Vale ressaltar que a mundialização das culturas é um processo inevitável. Já se faz presente, nesse contexto, a comida baiana como forte traço cultural, se inserindo no paradigma das novas exigências estabelecidas pela globalização. Com toda a sua originalidade, se desterritorializa para se colocar como instrumento das relações públicas, contribuindo para a difusão da cultura baiana e do turismo.
De acordo com Lima (1997), na Bahia, no fim do século XVIII, no processo de organização dos escravos em comunidades religiosas foram recriadas muitas das comidas cotidianas dos homens e dos santos. Nesse tempo, eles reproduziam o cardápio basicamente português, trocando ingredientes, colorindo os ensopados com o vermelho do dendê, inventando variedades de moquecas, usando o inhame, a banana cozida ou frita no azeite, recriando o caruru, o vatapá.
Com a evolução dos tempos, aumenta a diversidade dos meios de transporte e, consequentemente, o turismo. Assim, surgem duas tendências mundiais: uma de montar restaurantes com um pouco da cozinha típica de cada país e outra, de valorizar a regionalização, pois quando se utiliza de produtos típicos locais, a produção fica mais barata e os turistas são atraídos.
A Bahia, com uma ênfase maior em Salvador, com o incremento do turismo descobriu a força de sua cultura e que as mais simples manifestações culturais poderiam atrair o turismo. A comida baiana, “comida étnica” foi uma das manifestações culturais de maior destaque nesse processo, (NEVES; VIVAS, 2003).
De conformidade com o autor, a gastronomia baiana, devido seu forte traço cultural, insere-se no paradigma das exigências estabelecidas pela globalização, e devido sua originalidade se coloca como instrumento das relações públicas, contribuindo para a difusão da cultura baiana e do turismo.
O cenário da cidade de Salvador ilustra de forma exemplar a convivência de dois pólos antagônicos: a tradição e a modernidade. Pode-se observar isso desde o seu conjunto arquitetônico, aos hábitos cultuados pelo baiano, inclusive os alimentares vêm se modificando com o tempo, para atender inclusive ao gosto da demanda os quais principalmente a internacional.
As mudanças nos hábitos alimentares é uma questão inerente ao mundo moderno que hoje já apresenta profundas modificações com as refeições rápidas feitas em fast-foods. Apesar disso, os restaurantes valorizam detalhes simples, numa busca de melhores formas de apresentação, como por exemplo, a utilização de fogareiros e alguidares de barro, tanto para o cozimento como para servir, resgatando o valor da tradição.
De acordo com Ortiz (1994), fala sobre a mundialização da cultura e aborda a questão do alimento como cultura, apontando as conseqüências mais emergentes da modernidade sobre os hábitos alimentares. Segundo o autor, este hábito de comer fora é coisa bem recente em nossa sociedade, e se constitui numa das imposições do mundo moderno. Esclarece ainda, que o fast-food é reflexo das novas exigências no ritmo da alimentação, e por isso, “a instituição refeição se desestrutura, se fragmenta”.
A adoção dos novos hábitos alimentares vem modificando a tradicional rotina da família, acostumada a reunir-se em torno da mesa para comungar o alimento e reverenciar a figura paterna, ritual bastante comum nos lares baianos. Para Renato Ortiz, hoje cada um tende a coordenar seu tempo em função de suas próprias atividades. Acontece assim uma deslocalização do ato de comer.
A referida “deslocalização do ato de comer” abre espaço para o surgimento de uma multiplicidade de restaurantes, com cardápios destinados a vários paladares e condições econômicas definidas pelo peso dos alimentos. Criam-se novos pratos, novos sabores, buscam-se novas receitas das cozinhas internacionais e nacionais, com o intuito de oferecer algo diferente. Os “sushis” da cozinha japonesa estão em voga no mundo inteiro e para os baianos esta é uma novidade recente, comparada à outras culinárias, porém a cidade já conta com vários restaurantes que oferecem esta opção gastronômica.
Como se pode constatar, os hábitos se modificam, os alimentos migram em função das novas necessidades, mas o ato de comer é em qualquer instância um momento de prazer.
A partir deste enfoque, a importância da comida baiana comercializada pelas baianas, como o acarajé, foi em agosto de 2000, instituído como bem cultural o ofício das baianas de acarajés, bem como o próprio acarajé, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.
Quando anunciado, equívocos em torno do “tombamento do acarajé” e outros mal-entendidos esconderam a valorização de uma profissão feminina historicamente presente no país: as baianas de tabuleiro. O orgulho por esse reconhecimento podia ser visto nos rostos das mulheres negras de novas e antigas gerações, de acordo com Cantarino (2006).
Ainda segundo o autor, nas ruas de Salvador, de outras cidades do estado da Bahia e, mais raramente, em outras regiões do país, as baianas tradicionais encontram-se sempre acompanhadas por seus tabuleiros que contêm não só o acarajé e seus possíveis complementos, como o vatapá e o camarão seco, mas também outras “comidas de santo”: abará, lelê, queijada, passarinha, bolo de estudante, cocada branca e preta. Os tabuleiros de muitas baianas soteropolitanas se sofisticaram: revestidos por paredes de vidro, muitas vezes contêm caras panelas de alumínio junto às colheres de pau.
O acarajé, o principal atrativo no tabuleiro, é um bolinho característico do candomblé. Acarajé é uma palavra composta da língua iorubá: “acará” (bola de fogo) e “jé” (comer), ou seja, “comer bola de fogo”. Sua origem é explicada por um mito sobre a relação de Xangô com suas esposas, Oxum e Iansã. O bolinho se tornou, assim, uma oferenda a esses orixás. Mesmo ao ser vendido num contexto profano, o acarajé ainda é considerado, pelas baianas, como uma comida sagrada. Para elas esse bolinho de feijão fradinho, frito no azeite de dendê, não pode ser dissociado do candomblé. Por isso, a sua receita, embora não seja secreta, não pode ser modificada e deve ser preparada apenas pelas filhas-de-santo.
A gastronomia baiana é umas das mais diversificadas e ricas do mundo, misturando os conhecimentos afro, português e indígena, contudo existe predominância da africana, que emprega o azeite de dendê e o leite de coco para temperar mariscos e peixes, abundantes no litoral baiano. As famosas moquecas, vatapá, caruru, o acarajé, o xixim de galinha, entre outras, e os derivados de mandioca (de influência indígena) fazem sucesso entre os visitantes e turistas. Suas sobremesas são famosas e, deliciosas como as cocadas, e as lusitanas a ambrosia ou e a baba-de-moça, à base de ovos. Além dessas, e de acordo com Cantarino (2006), as comidas tradicionais do sertão da Bahia, como a carne-de-sol com pirão de leite, o feijão verde com manteiga de garrafa, o queijo coalho derretido na brasa, o bode assado, além de outros do gênero, são iguarias bastante pedidas.
1.2 Gastronomia oficializada como Patrimônio Cultural
A origem desta vasta gastronomia baiana se deu no período da escravidão, quando os senhores juntavam restos da mesa ou do dia anterior para dar aos escravos. As mulheres relembravam seu treino em culinária na África, quando preparavam com as partes desses ingredientes seus alimentos acrescentando, leite de coco e óleo da palmeira dendê. Com o passar dos anos, essas misturas se transformaram em receitas que ganharam nomes, tornando-se o que é hoje a comida baiana, (NEVES; VIVAS, 2003).
Azeite de dendê, leite de coco, pimenta e camarão seco são os ingredientes típicos da dessa cozinha e todos esses condimentos dão cor, exuberância, beleza e sabor únicos, conquistando os turistas de todo o mundo. Desta forma, o chef Nivaldo Galdino (SENAC – Serviço nacional de Aprendizagem Comercial, 1997), do restaurante-escola do SENAC Pelourinho diz que na cozinha baiana o que encanta o turista é a variedade, o cheiro e o colorido dos pratos, além do tempero, é claro. Revela ainda que no tempero o importante é a dosagem, para não deixar a comida “pesada”, principalmente por causa do dendê. Nas moquecas em geral, o leite de coco é um ingrediente importante. O coco foi introduzido na região pelos portugueses a partir do ano de 1535. Desde então, tornou-se um importante alimento para o nordestino, sendo bastante utilizado na culinária.
A cozinha baiana é lembrada por Pinto (2003) como um elemento diferenciador do mercado em âmbito do turismo nacional, pois um turista que visita Salvador, a capital do estado, faz três visitas obrigatórias. Uma dela é o Pelourinho, considerado o maior conjunto arquitetônico colonial da América Latina e em 1995 foi declarado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, o Elevador Lacerda, construído em 1973 e tinha como objetivo unir a cidade alta à baixa. E experimentar essa cozinha é segundo o autor é uma aventura gastronômica. É importante destacar que as vendedoras de acarajés e abarás, conhecidas como as baianas de acarajé agora trabalham em lugares fixos.
Turmo (1999) sinaliza que a gastronomia é um fator de diferenciação cultural e desta forma adquire uma importância cada vez maior para a promoção de um destino turístico.
Assim, a gastronomia de um local se apresenta como uma forma de aumentar a oferta turística e como um produto agregado ao turismo cultural vem indicando a gastronomia como muito mais que uma simples arte culinária, mas como importante veículo da cultura popular pela forma como vivem os habitantes de cada região em determinada época. (ANTONINI, 2004), e neste sentido a cultura de um país está integrada a alma do povo, como a sua gastronomia, seu patrimônio, seus valores, costumes, história, agricultura, religião, aspectos históricos e geográficos. Desta forma a cultura de um lugar e sua comida típica estão intimamente ligados (CÓRNER, 2003).
Quando um homem se alimenta de acordo com a sociedade a que ele pertence, valoriza determinados ingredientes porque os hábitos alimentares não respondem somente ao instinto de sobrevivência, mas constituem também uma verdadeira expressão do passado, da história e da geografia, juntamente com todos os seus valores (NEVES; VIVAS, 2003).
Desta forma o contato entre turistas e membros da comunidade deve se realizar com respeito e interesse mútuo. O cancioneiro baiano, Dorival Caymmi, anos atrás lançou a música “A Preta do Acarajé”, descrevendo “que […] todo mundo gosta de acarajé, mas o trabalho que dá pra fazê é que é, todo mundo gosta de acarajé, todo mundo gosta de abará […]” outro que veio a descrever a Bahia através da musicalidade foi Ary Barroso, com o famoso “Tabuleiro da Baiana”, onde dizia “[…] no tabuleiro da baiana tem, Vatapá, oi, Carurú, Mungunzá, oi, tem umbú, pra ioiô […]”. Tais músicas mostraram a importância da gastronomia baiana no contexto turístico cultural, mesmo muito antes das autoridades e estudiosos buscarem o sincretismo religioso e cultural como carro chefe de marketing deste estado. Ao se andar em qualquer cidade do estado da Bahia, é possível sentir o aroma característico da terra: o cheiro de dendê , produto típico local, com o qual é feito o acarajé (famoso bolinho de feijão, como dizem os turistas) e muito utilizado nos diversos pratos típicos.
Segundo Lenhart (2003), a Federação Nacional de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares (FNHRBS) e a Associação Brasileira de Restaurantes e Empresas de Entretenimento (ABRASEL), em parceria com o SENAC e o SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), elaboraram um projeto que foi entregue aos ministros da Cultura e de Turismo para que a gastronomia regional fosse reconhecida como Patrimônio Cultural Brasileiro, como ocorrido em outros países. Esse reconhecimento, no entanto, criará responsabilidades É preciso cuidar da garantia de origem de nossos ingredientes, das receitas e de sua preservação e divulgação.
Para a preservação da culinária baiana, vai ser necessário segundo, Neves e Vivas (2003), a criação de um banco de dados para a formação um acervo de receitas, além de um cadastro dos restaurantes e da matéria-prima utilizada. Vai ser a garantia de que os brasileiros e os turistas estarão apreciando um legítimo prato nacional e não uma medíocre imitação.
A gastronomia portuguesa foi oficialmente declarada como Patrimônio Cultural em seu país em 2000, através de uma resolução do Conselho de Ministros – tornando realidade um desejo de todos os empresários do setor de restaurantes.
O México é considerado pela UNESCO como um dos países com maior patrimônio cultural (além das maravilhosas ruínas Aztecas e Mayas) e neste sentido, fez o pedido em 2006 para que este organismo mundial declare patrimônio da humanidade à comida mexicana.
Segundo Gloria López, citado por Herrera (2006), coordenadora do patrimônio cultural do Conselho Nacional para a Cultura e as Artes (CONACULTA), diz: “a cozinha mexicana tem pelo menos sete mil anos de antiguidade, o que equivale a dizer que os mexicanos ainda preparam os seus alimentos da mesma maneira e usando técnicas culinárias como o faziam os ancestrais”.
Esses procedimentos irão incentivar alguns segmentos da nossa economia. O turismo, por exemplo, será uma grande ferramenta para atrair visitantes, já que a gastronomia é um dos seus pilares. O setor de restaurantes, que já um dos maiores empregadores do Brasil, também terá que passar por reformulações, já que será obrigado a cuidar melhor da qualidade dos produtos e serviços oferecidos, maquinário e instalações. O “efeito multiplicador”, segundo referido autor, será sentido na indústria têxtil, na agroindústria e agropecuária, que são as principais fornecedoras de matérias-primas genuinamente brasileiras para o setor.
Tão importante para entender a cultura da Bahia quanto a música, a literatura, as artes plásticas, o sincretismo religioso e a história, é a comida baiana, parte fundamental do imaginário local – tanto para quem é de Salvador, quanto para quem vê a “Terra da Felicidade” de fora dela. É para celebrar – e apresentar ao mundo – essa culinária tão peculiar que o em agosto de 2006 foi inaugurado o Museu da Gastronomia Baiana, que vai funciona no Centro de Formação Profissional do SENAC Bahia, importante iniciativa que tem por intuito a valorização da culinária brasileira enquanto patrimônio cultural. O museu coloca à disposição do visitante um extenso material composto por materiais visuais que mostram a presença de povos indígenas, europeus, africanos, de imigrantes sírio-libaneses, orientais, entre outros agentes formadores do setor gastronômico da Bahia.
No empreendimento, o público terá acesso a exposições permanentes sobre o assunto e também a uma gama de peças que ajudaram a formar a culinária brasileira como filmes, fotos, maquetes, utensílios em barro, madeira, fibras naturais, folha-de-flandres, prata e vidro, entre outros materiais. As imagens ampliadas compõem os cenários humanos, reunindo maneiras de comer, as festas de largo, as baianas de acarajé e outros temas que mostram a diversidade de comer na rua, na casa, na festa e em cerimônias religiosas.
Dados sobre a antropologia e grandes painéis fotográficos abordando temas diversos como as comidas sagradas do candomblé, por exemplo, e assinados por fotógrafos de renome, também farão parte do acervo. O museu reserva ainda um espaço para algumas instalações específicas sobre o acarajé e a mandioca, além de vitrines rotativas com homenagens alternadas periodicamente. Algumas delícias da culinária baiana poderão ser adquiridas na saída do local.
2 Considerações Finais
Sobre o exposto, a Fundação Comissão de Turismo Integrado do Nordeste (CTI-NE) com apoio do Ministério do Turismo e Banco do Nordeste, e a participação da Secretaria da Cultura e Turismo do Estado da Bahia (SCT), BAHIATURSA (Empresa de Turismo da Bahia S/A) e SENAC, lançam em maio de 2006 o projeto Gastronomia Nordestina como Produto Turístico Fundação Comissão de Turismo Integrado do Nordeste (CTI-NE).
A Comissão Estadual de Gastronomia será composta por integrantes do Senac, ABRASEL, ABIH (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis), Conselho Estadual de Turismo, ABRAJET (Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo), SEBRAE, universidades, representante da Cultura, Secretaria da Cultura e Turismo e BAHIATURSA. A operacionalização dos trabalhos terá como base a comissão estadual de gastronomia, que aplicará uma metodologia para permitir a efetiva participação de diversos segmentos da sociedade, tais como agentes públicos, trade turístico, organizações não governamentais, entre outros e assim desta forma desenvolver um produto turístico.
O Nordeste brasileiro é reconhecido em todo o mundo através do binômio sol e mar, apesar de ser uma região de excepcionais valores turísticos e culturais. A exploração turística da gastronomia nordestina, por exemplo, pode representar um papel importante como vetor para o desenvolvimento e crescimento da região. O projeto terá como objetivo geral operacionalizar ações voltadas para a criação, promoção e comercialização de produtos gastronômicos e turísticos.
Desta forma, considerada como uma das melhores e mais variadas do mundo, a gastronomia nordestina é caracterizada como tipicamente tropical, colorida, suculenta, diversificada, altamente nutricional e sempre saborosa. Na Bahia, a proposta vai inventariar, diagnosticar, mapear e identificar as principais atrações da gastronomia baiana. A partir daí, vai formatar produtos, destacando as especificações microrregionais, objetivando o desenvolvimento e a consolidação do turismo gastronômico baiano.
Terra das moquecas de frutos do mar, banhadas no azeite de dendê nativo e temperadas num bom molho de pimenta malagueta; do acarajé e do abará vendidos pelas baianas em pontos determinados pelos orixás; dos folclóricos vatapá e caruru; de culinária que transbordou do sertão para a beira mar, com a carne-do-sol com pirão de leite. O feijão verde com manteiga de garrafa e o bode assado, entre tantos outros; dos doces que tornaram qualquer regime absolutamente impraticável, a Bahia moderna, não mais a de Dona Flor, abriga também a culinária de varias regiões do país e do mundo, (SPINOLA, 2006).
A predominância, no imaginário do brasileiro e nos meios de comunicação, da culinária “afro-baiana”, deve-se muito ao fato de Salvador, a capital da Bahia, situar-se no litoral do Recôncavo, o que confere maior poder de divulgação para o saboroso legado africano da culinária regional. Ambas vertentes da culinária baiana, no entanto, ainda são praticadas de forma bastante espontâneas, carecendo de procedimentos mais sistemáticos de pesquisa e desenvolvimento.
Segundo Spinola (2006), essa culinária, porém, não chega a representar 30% do que seus habitantes consomem diariamente. As iguarias dessa vertente africana da culinária estão reservadas, pela tradição e hábitos locais, às sextas-feiras e às comemorações de datas institucionais, religiosas ou familiares. No dia a dia, o baiano alimenta-se dos pratos herdados da vertente portuguesa, englobados no que se costuma chamar de “culinária sertaneja”. São receitas que não levam o dendê e demais ingredientes típicos de origem africana como ensopados, guisados e várias iguarias encontradas também nos outros estados, embora com toques evidentemente regionais (a utilização mais ou menos acentuada de determinados temperos numa dada receita, por exemplo).
De acordo com Furtado (2004), as pessoas buscam novos conhecimentos, querem experimentar novos sabores, vivenciar outras culturas e a gastronomia pode ser o motivo principal, ou o inicial, para se conhecer determinado local. Por exemplo, ir a uma festa típica, como a Oktoberfest (em Blumenal / Santa Catarina), e experimentar comidas típicas alemãs, a festa e a localidade têm as suas atrações, mas a comida pode ser o diferencial para a escolha desse local. Como também ocorre no Chile com suas vinícolas e seus pescados únicos, na França com sua culinária requintada e tradicional, na Itália com suas diversas variações, o exotismo da culinária oriental, como no Japão, China, Tailândia entre outros. O que não falta são variações e novidades e o turismo possibilita essas descobertas, por isso a gastronomia tem tudo a ver com o turismo.
A gastronomia é desta forma considerada importante e relevante para o turismo e possibilita inúmeras oportunidades para todos aqueles que souberem explorar direta ou indiretamente, esse nicho de mercado. Os exemplos citados mostram que a gastronomia como produto turístico é um importante motivador e mesmo quando não é o motivo e/ou elemento principal, sempre estará inserida no contexto e terá o seu papel de destaque num evento turístico, como uma viagem, passeio, feira, ou reuniões.
A gastronomia típica se traduz como a arte de se comer bem, se relaciona com o turismo e com a história de um povo. Segundo Ignarra (2001), a gastronomia típica é muito valorizada pelos turistas que freqüentam os restaurantes indicados como representativos de uma cozinha tradicional de um lugar. Por isso é preciso adequar os restaurantes populares típicos para que atendam adequadamente os visitantes sem perder suas características naturais. Em Salvador pode-se indicar como exemplo deste comportamento o restaurante Varal da Dadá.
A gastronomia como patrimônio local está sendo incorporada aos novos produtos turísticos orientados a determinados nichos de mercado, permitindo incorporar os atores da própria comunidade na elaboração desses produtos, assistindo ao desenvolvimento sustentável da atividade. Assim, faz parte da nova demanda por parte dos turistas de elementos culturais. O desenvolvimento do turismo cultural é promovido devido à sua capacidade de gerar receita e empregos no lugar em que se desenvolve. Devido ao fato de que raras vezes seja o agente motivador principal de um deslocamento turístico, recorre-se geralmente à criação de rotas temáticas e culturais que permitem integrar em um produto os elementos que individualmente não atraem interesse suficiente ou contam com certas dificuldades de promoção ou comercialização, tornando possível um produto final de maior valor que a soma das partes e incrementando assim seus benefícios econômicos e sociais, SCHLUTER, 2003.
Desta forma a sua utilização como valor agregado a diversas manifestações culturais oferece a potencialidade de desenvolver o turismo. O contato entre turistas e membros da comunidade de se realizar com respeito e interesse mútuo.
Neste sentido, planejamento e políticas publicas são necessárias, bem como um acompanhamento desse crescimento com aproveitamento racional e sustentável do patrimônio cultural.
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