Com a chegada ao Rio de Janeiro dos Decretos 124 e 125, de 29 de setembro de 1821, onde as Cortes ordenavam a abolição da regência e o imediato retorno de D. Pedro a Portugal, sujeitando a obediência das províncias a Lisboa e não mais ao Rio de Janeiro, e esvaziando, por completo, a autoridade do governo, D. Pedro aparentemente resignado começou a fazer os preparativos para o seu regresso. Ao considerar desnecessária a permanência de D. Pedro, as Cortes exigiam o seu retorno imediato também sob o pretexto de completar sua educação, já que, na opinião dos deputados, não tendo mais o Brasil um governo central, a sua presença passaria também a ser meramente figurativa.
Segundo Mary Del Priore (2012), “o Regente estava entre dois fogos: obedecer a D. João, dominado pelas cortes e obrigado a impor sanções ao Brasil, ou reagir, manifestando o desejo de independência”. A esposa de D. Pedro, princesa Leopoldina, “inicialmente pouco simpática ao movimento e desejosa de voltar à Europa, foi se dobrando aos fatos”. O cenário no segundo semestre de 1821 foi tenso. “Ora parecia que iam embarcar… ora, apoiado pelos jornais maçônicos, D. Pedro colocava-se como favorável à independência e sensível à ideia de assumir o trono do Brasil”. Os dias eram, assim, de indecisão e de insegurança.
D. Pedro, por outro lado, tinha consciência de que seu pai era um rei sem poder, decorativo e prisioneiro das Cortes. Os comerciantes portugueses e estrangeiros aqui residentes viam no retorno do príncipe o início da anarquia. Foi nesse contexto que a ideia de rompimento com Portugal começou a se fortalecer.
A partir daí se sobressai a maçonaria, com toda força e vigor. Os interesses de todos os setores envolvidos convergiam para uma independência feita sob o comando do príncipe regente D. Pedro. A reação dos brasileiros contra o decreto ordenando o retorno de D. Pedro ganha voz no discurso do maçom Cipriano José Barata, denunciando a trama contra o Brasil e publicado na íntegra, através da imprensa. Ao mesmo tempo é fundado na casa do maçom José Joaquim da Rocha o “Clube da Resistência”, depois transformado no “Clube da Independência”.
As tratativas iniciais tinham como objetivo sensibilizar D. Pedro para resistir ao comando das Cortes, convidar o Presidente do Senado, o maçom José Clemente Pereira, a aderir ao movimento, bem assim de ampliar os contados com maçons de Minas Gerais e São Paulo. Longe dos olhos das autoridades, outras reuniões de cunho maçônico eram realizadas tanto no Clube quanto no Convento de Santo Antônio, organizadas pelo Frei Francisco Sampaio.
Com a reinstalação da Loja “Comércio e Artes” em 1821, quando obteve liberdade de atuação, a maçonaria conheceu grande expansão no Brasil, principalmente na cidade do Rio de Janeiro, com o tema da “independência” na pauta de todas as reuniões, onde se faziam agitação e proselitismo em favor da ideia. Alguns membros, como o liberal radical Joaquim Gonçalves Ledo, eram partidários de uma independência democrática e republicana, conhecida desde o século anterior como “Maçonaria Vermelha”, em contraposição ao grupo simpático à “Maçonaria Azul”, que defendia a proposta de uma monarquia constitucional parlamentar. Em comum, os grupos tinham o absolutismo como inimigo, e o liberalismo e a representação do povo no legislativo como princípios fundamentais.
A partir de outubro daquele ano começaram a aparecer pelas ruas do Rio de Janeiro panfletos denunciando as intenções recolonizadoras das Cortes e concitando o príncipe a assumir a direção do movimento em defesa da autonomia do país (Motta, 1972). Segundo Tito Lívio e Manoel Rodrigues Ferreira (1972), “insuspeitos historiadores”, nas palavras de Castellani (1993), a propaganda deflagrada pela maçonaria “vermelha” era, sim, para separar politicamente o Brasil de Portugal, pois a independência já fora considerada conquistada desde 1815. Para esse grupo, com a separação, surgiria fatalmente a república, pois não havia no Brasil uma monarquia própria.
Três representações foram encaminhadas a D. Pedro, rogando a sua permanência no Brasil e o descumprimento aos Decretos 124 e 125. A representação dos fluminenses foi redigida pelo Frei Francisco Sampaio, Orador da Loja “Comércio e Artes”. A dos mineiros foi liderada por Pedro Dias Paes Leme, maçom e amigo de D Pedro. De São Paulo, o maçom José Bonifácio de Andrada e Silva, presidente da junta governativa da província e partidário de uma monarquia constitucional, com D. Pedro no poder, enviou o documento, em 24 de dezembro de 1821, no qual criticava duramente a decisão das Cortes de Lisboa e chamava a atenção para o importante papel reservado ao príncipe naquele momento de crise. A carta chegou às mãos do príncipe no Rio a 1º de janeiro de 1822 e foi por ele divulgada imediatamente, deixando que seu conteúdo se espalhasse entre a população, com aparência de segredo, e depois mandada imprimir na Gazeta do Rio, em 8 de janeiro (D’Albuquerque, 1973).
D. Pedro enviou correspondência a D. João em 2 de janeiro de 1822 onde se lia: “Farei todas as diligências por bem para haver sossego, e para ver se posso cumprir os decretos 124 e 125, o que me parece impossível, porque a opinião é toda contra, em toda a parte“. Enquanto isso, a princesa Leopoldina conspirava “com o Partido do Fico e afirmava que D. Pedro devia organizar o governo do jeito que quisesse.” (Del Priore, 2012).
No dia 9 de janeiro de 1822, diante de D. Pedro, na sala do trono, o maçom José Clemente Pereira, Presidente do Senado da Câmara, interpretando o pensamento geral, contido nos manifestos dos fluminenses, paulistas e mineiros, fez seu discurso pedindo a permanência do príncipe. O texto da representação, comovente, emocionou D. Pedro – e mudou o rumo da história do Brasil. Então D. Pedro, compreendendo a magnitude do evento e reconhecendo a sua responsabilidade junto ao povo brasileiro, pronuncia o que a história reconhece a data como o “Dia do Fico”: “Como é para bem de todos, e felicidade geral da Nação, estou pronto: diga ao povo que fico“. Naquele mesmo evento, D. Pedro recebera um abaixo-assinado com 8.000 nomes. Reunido defronte do Paço Municipal, o povo saudou a decisão do príncipe.
Os setores das classes médias e urbanas da época, compostos pelos jornalistas, médicos, padres, funcionários públicos dos baixos escalões, professores etc., muitos deles militantes da maçonaria e que defendiam a implantação de uma república, passaram a aceitar a monarquia constitucional com D. Pedro no poder, depois do “Dia do Fico”, devido à fraqueza das camadas médias da população. Os séculos anteriores de monarquia tinham grande influência no povão e a república era vista com desconfiança.
No dia 11 de janeiro, as tropas portuguesas tentaram obrigar o príncipe a embarcar para Lisboa. Apoiado pelo povo e por tropas leais, D. Pedro resistiu. A independência, agora, era uma questão de tempo. A petição de José Bonifácio e o abaixo assinado que resultou no “Dia do Fico” marcaram a aproximação entre D. Pedro e a elite brasileira.
Aproveitando-se do apoio da população do Rio de Janeiro, o regente demitiu o ministério deixado pelo pai e nomeou outro. Com a chegada de José Bonifácio ao Rio a 17 de janeiro, foi ele logo nomeado para chefiar o Ministério dos Negócios do Reino e Estrangeiros, sendo o primeiro brasileiro a ocupar um cargo semelhante. Ainda naquele mês, seguindo o conselho de José Bonifácio, D. Pedro assinou Decreto instituindo que só vigorariam no Brasil as Leis portuguesas que recebessem o “cumpra-se” do príncipe regente.
Em 13 de maio de 1822, por proposta do brigadeiro Domingos Alves Branco Muniz Barreto e de Joaquim Gonçalves Ledo, o príncipe regente recebe o título de “Defensor Perpétuo do Brasil”, oferecido pela Maçonaria e pelo Senado, marcando uma cartada política importantíssima da Loja “Comércio e Artes”. Por trás dessa iniciativa estava também o interesse das lideranças que pretendiam aproximar-se do regente e suplantar o prestígio desfrutado por José Bonifácio, o todo-poderoso ministro.
Dando um decisivo passo em direção à independência, em 2 de junho de 1822, José Clemente Pereira, em audiência com D. Pedro, fez saber o discurso redigido por Joaquim Gonçalves Ledo e Padre Januário da Cunha Barbosa sobre a necessidade de uma Constituinte.
Por sua vez, José Bonifácio manifestou-se contrário à convocação da Constituinte, mas acabou por aceitá-la, procurando descaracterizá-la com a proposta de eleição indireta, que acabou prevalecendo contra a vontade dos liberais radicais comandados por Gonçalves Ledo, que defendiam o princípio da eleição direta, ampliando o conflito entre ambos. Em 3 de junho de 1822 foi expedido decreto em que José Bonifácio convocou a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa. Apesar do controle da situação pelos conservadores e de o texto da Constituinte apresentar declarações favoráveis à união entre Brasil e Portugal, as Cortes insistiam no retorno imediato de D. Pedro.
Neste ínterim, fora criada a primeira Obediência Maçônica do Brasil, o Grande Oriente Brasílico (ou Brasiliano), em 17 de junho de 1822, uma entidade dedicada, com exclusividade, à luta pela independência política do Brasil. Para esse fim, a Loja “Comércio e Artes” foi dividida em três Lojas, dela saindo os maçons em número suficiente para a formação das Lojas “União e Tranquilidade” e “Esperança de Niterói”.
A administração do Grande Oriente ficou então composta por José Bonifácio de Andrada e Silva, como Grão-Mestre; Joaquim de Oliveira Alvarez, como Delegado do Grão-Mestre; Joaquim Gonçalves Ledo e João Mendes Viana, como 1º e 2º Grandes Vigilantes, respectivamente; Padre Januário da Cunha Barbosa, como Grande Orador; capitão Manoel José de Oliveira, como Grande Secretário; Francisco das Chagas Ribeiro, como Grande Chanceler; Francisco Luiz Pereira da Nóbrega, como Promotor Fiscal; João da Rocha, como Grande Cobridor; e, Joaquim José de Carvalho, como Grande Experto (Castellani, 1993).
José Bonifácio foi escolhido como Grão-Mestre pela sua dimensão, não só na política nacional como Ministro, mas, também, na europeia, pela sua atividade científica e política, durante os 37 anos em que viveu e trabalhou na Europa. Porém, a liderança dos maçons cabia a Gonçalves Ledo, seu substituto imediato. Ledo era um político fluminense, considerado a maior liderança maçônica da época, mas não tinha o prestígio nacional e internacional de José Bonifácio. Entretanto, Ledo, como líder do Grande Oriente, teve um papel destacadíssimo e, segundo Castellani (1993), pouco reconhecido nas lutas pela independência do Brasil, tendo inspirado “todas as grandes manifestações populares ocorridas no Rio de Janeiro, naqueles conturbados dias que antecederam a emancipação do país”.
Os grupos de Bonifácio e Ledo mantinham uma luta ideológica. Eram maçons em conflito, com agitação nas ruas e intrigas palacianas. Enquanto o primeiro grupo defendia a independência dentro de uma união brasílico-lusa, mais palatável, o segundo pretendia o rompimento total com a metrópole portuguesa, “o que poderia tornar difícil a transição para país independente”. Essa luta extrapolou as discussões no âmbito das lojas e assumiu caráter público e se estendeu através da imprensa (Castellani, 2007). Para José Bonifácio somente a forma de governo monárquica seria capaz de manter a unidade territorial. Ele temia as eleições diretas, opondo-se às ideias de fundo republicano (Mattos, 1991).
Entre 15 de setembro de 1821 e 8 de outubro de 1822 circulou o jornal “Revérbero Constitucional Fluminense”, redigido pelos seus editores Gonçalves Ledo e Padre Januário da Cunha Barbosa, que contribuiu significativamente para formação de um sentimento libertador. Também a partir de 29 de julho de 1822, Frei Francisco Sampaio passou a editar o jornal “Regulador Brasílico-Luso”, depois denominado, “Regulador Brasileiro”, impresso na Tipografia Nacional, que marcou presença no movimento de emancipação, mas entrou em atrito com o “Revérbero”, na defesa de José Bonifácio. Outro de destaque foi o jornal “O Constitucional”, redigido pelos maçons José Joaquim da Rocha e padre Belchior Pinheiro de Oliveira, defendendo as mesmas ideias liberais de Ledo. Curiosamente, Padre Belchior, nascido em Diamantina, vigário de Pitangui (MG), para alguns autores sobrinho de José Bonifácio e para outros um primo distante, era amigo e confidente de D. Pedro.
Por proposta de José Bonifácio, em 2 de agosto de 1822, é iniciado na Loja Comércio e Artes o príncipe regente, D. Pedro, que adotou o nome histórico ou heroico de “Guatimozim”, em referência ao último imperador Asteca morto em 1522. O Rito adotado à época ensejava tal escolha (Bonifácio era “Tibiriçá” e Ledo era “Diderot”). Tal fato não deixou de ser um ato político, pois à Maçonaria era importante ter o regente nas suas fileiras, onde poderiam influenciá-lo no caminho da emancipação e, para D. Pedro, estando entre os maçons melhor poderia atuar na busca de uma solução monárquica para o país, afastando inclinações para um regime diferente (Castellani, 2007). Logo em seguida, no dia 5 de agosto, Joaquim Gonçalves Ledo, que ocupava a presidência dos trabalhos, conduziu a cerimônia de exaltação de D. Pedro ao grau de Mestre Maçom.
Segundo Laurentino Gomes (2010) há fortes indícios de que D. Pedro frequentasse as atividades da maçonaria bem antes de sua iniciação. Segundo ele, “No museu Imperial de Petrópolis há uma carta que o então príncipe regente escreveu a José Bonifácio com vocabulário e sinais maçônicos no dia 20 de julho de 1822, data anterior à sua iniciação oficial”. Diz a carta: “O Pequeno Ocidente toma a ousadia de fazer presentes ao Grande Oriente duas cartas da Bahia e alguns papéis periódicos da mesma terra há pouco vindas. Terra a quem o Supremo Arquiteto do Universo tão pouco propício tem sido. É o que se oferece por ora a remeter a este que em breve espera ser seu súdito e I∴ Pedro”. O autor ressalta ainda, que “No canto superior esquerdo da página, há o desenho de um sol e a palavra Alatia, em que as letras foram substituídas por esquadro, compasso, martelo, uma pá de pedreiro e um olho… A assinatura é acompanhada do símbolo ∴, os três pontinhos em forma de pirâmide que indicam filiação maçônica”. Donde se conclui que D. Pedro já era um “goteira” real.
Em ato do início de agosto de 1822, D. Pedro declara inimigas as tropas portuguesas que desembarcassem no Brasil sem o seu consentimento. Foi ainda recomendado aos governos provinciais que não…
Continua…
Autor: Márcio dos Santos Gomes
Márcio é Mestre Instalado da ARLS Águia das Alterosas – 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte, membro da Escola Maçônica Mestre Antônio Augusto Alves D’Almeida, da Academia Mineira Maçônica de Letras, e para nossa alegria, também um colaborador do blog.
Fonte: https://opontodentrodocirculo.wordpress.com