Um espectro ronda a Maçonaria. O espectro do abismo geracional.
Mas o que é o abismo geracional? Grosso modo, seria a distância nas diferenças de opinião entre uma geração e outra no que tange às crenças, à atitude política e valores[1]. Na Maçonaria ela é perceptível – apesar da ausência de trabalhos no Brasil que aprofundem esta questão – nas diferenças de visão entre os maçons mais jovens e os maçons mais velhos.
Crises decorrentes de diferenças de visão de mundo não são exatamente de uma novidade. A maçonaria especulativa moderna, à beira do seu tricentenário, já passou por outros conflitos ideológicos fortes, como, por exemplo, o conflito entre os Moderns e os Antients na maçonaria inglesa na segunda metade do século XVIII, entre os racionalistas e os místicos também no século XVIII, entre teístas e ateus no século XIX, entre revolucionários e conservadores em vários períodos históricos.
Haveria, então, uma diferença entre aquelas crises e a atual?
Os primeiros a chamar a atenção para essa questão (para variar) foram nossos irmãos do Norte. A Maçonaria norte americana se viu entre dois extremos do fim da Segunda Guerra Mundial à virada do Milênio. A greatest generation, que cresceu sob a depressão econômica e venceu os nazistas afluiu em massa para espaços de sociabilidade como a Maçonaria. Os seus filhos – os Baby Boomers – entretanto, não demonstraram nenhum interesse para tal, preferindo a via da contestação do que viam como “velhos valores”
Jay Kinney, em sua obra “O Mito Maçônico” (Record, 2010), destaca o que considera os obstáculos mais óbvios:
– O declínio das famílias nucleares;
– O desaparecimento gradual das esferas sociais separadas para homens e mulheres;
– O aumento na exigência de horas de trabalho;
– A perda da influência da religião organizada;
– A informalização da sociedade;
– A balcanização dos grupos de idade (pp. 327-328)
Colocando em bom português: Hoje as pessoas têm menos tempo livre, menos referências intrafamiliares ou sociais e menos disposição para atividades formais, preferindo ficar em casa assistindo TV ou jogando Pokemon Go.
O desafio que existe nos EUA é, também, perceptível aqui.
A última década um aumento considerável – falo sem conhecimento de estatísticas, partindo apenas da minha vivência – do ingresso de jovens na Maçonaria. Esta geração, nascida no fim dos anos 70 e no início dos anos 80 (Geração X) parece ser em boa medida formada por jovens que viveram na Ordem DeMolay nos anos 90 e 2000. Só que essa geração é uma de transição. Conviveu com as tecnologias analógicas e digitais. Com a Enciclopédia Barsa e com a Wikipedia. O desafio, agora, consiste em preparar a Maçonaria para a chegada de uma nova geração, aquela nascida nos anos 90 e 2000 (geração Y), já sob o signo da sociedade da informação.
Vejam como reside o problema. A Maçonaria pode ser percebida como um sistema de moralidade, velado por símbolos e ilustrado por alegorias. Ocorre que o debate que esta geração, propõe ocorre em outros termos. Enquanto as lições da Maçonaria giram em torno de Virtudes Teologais (Fé, Esperança, Caridade) e Virtudes Cardeais (Temperança, Fortitude, Prudência e Justiça), da boca da geração Y saem palavras que denotam outra linguagem moral: homofobia, machismo, gordofobia, preconceito, consciência social, politicamente correto [e incorreto].
Enquanto aquelas estão cada vez mais escamoteadas do debate público (a não ser quando ligadas às novas), essas ocupam espaço, adquirem significado (ainda que camaleônico), possuem valor e força compulsória.
Quando este dois sistemas de linguagem se encontram instaura-se um legítimo diálogo de surdos, e o conflito é inevitável. E os primeiros campos de batalha serão, provavelmente, as Ordens Paramaçônicas Juvenis (Ordem DeMolay e Ordem das Filhas de Jó), justamente as fontes de renovação da vida maçônica da última década.
E este campo de batalha, o do debate público, é precisamente aquele para o qual a Maçonaria deixou de se preparar.
E o saldo pode ser bastante negativo, já que a Geração Y vem adquirindo uma expertise cada vez maior no linchamento virtual coletivo[2].
“Ora, mas quem se importa se esses meninos mimados xingam muito no Twitter?”. Bem, nós deveríamos, se pretendemos que a Maçonaria sobreviva a nós (senão podemos começar a encomendar um novo lema: “Après nous le déluge”).
É preciso romper, antes, com dois preconceitos.
O primeiro é o preconceito contra a juventude, de achar que a nova geração é sempre um lixo em comparação com um passado idealizado. Desde os tempos de Sócrates[3] a geração mais antiga é pessimista com a geração mais nova.
O segundo é o preconceito contra a velhice, de achar que a juventude é “a época da rebeldia, da independência e do amor à liberdade”, e que, portanto, devemos confiar o futuro ao discernimento dos jovens como observou, mordazmente, o filósofo Olavo de Carvalho[4].
É bem verdade o que escreveu o filósofo José Ortega Y Gasset:
“O fato da rebelião [das massas] apresenta um aspecto ótimo; já o dissemos: a rebelião das massas é a mesma coisa que o crescimento fabuloso que a vida humana experimentou no nosso tempo. Mas o reverso do mesmo fenômeno é tremendo: vista deste ângulo, a rebelião das massas é a mesma coisa que a desmoralização radical da humanidade”[5]
Não é, portanto, uma tarefa fácil. É o trabalho de construir pontes entre as gerações. Só que as pontes são sempre vias de mão dupla, de forma que, se as coisas boas passam de um lado para o outro, o lixo também pode passar, em ambos os sentidos.
As Ordens Paramaçônicas serão vitais nesta nova realidade. Nelas os Maçons poderão aprender a linguagem dos jovens, para poder melhor transmitir o seu legado para a construção de um futuro e a defesa dos valores perenes sustentandos na Ordem.
Isso não acontecerá, todavia, enquanto os maçons permanecerem imersos num mundo paralelo, desconectado do mundo real e recheado de mistificações autocongratulatórias com o seu passado, ressentimento com o presente e pessimismo com o futuro.
PS.: Sugerimos a leitura dos artigos “The Millennial Generation and Freemasonry” (aqui a Parte 1 e a Parte 2) e “Millennial masonry: How those in their twenties and thirties are changing the Craft”
[1] https://en.wikipedia.org/wiki/Generation_gap
[2] Cf. JONSON, Ron. Humilhado. Como a era da Internet mudou o julgamento público. São Paulo: Bestseller, 2015
[3] http://blogs.oglobo.globo.com/luciana-froes/post/conflito-de-geracoes-496043.html
[4] http://www.olavodecarvalho.org/textos/juvenil.htm
[5] ORTEGA y GASSET, José. A Rebelião das Massas. Rio de Janeiro: Bibliex, 2006, p. 147
Fonte: http://york.blog.br