Há tanto tesouro nos diálogos que escutamos por aí. Há tantas coisas que os outros falam entre si e que caem feito uma luva em nós. Perto de mim, uma mãe lamentava com a amiga sobre não ter levado as crianças para viajar nas férias. Sentia-se culpada até o último fio de cabelo. A correria. O dinheiro curto. Ela queria proporcionar as férias perfeitas. As mais divertidas. A programação que entretém, educa, edifica e cobra em dólar.
Lembro de calor quando puxo as minhas férias da mente. Pouca roupa. Muito pé no chão. Nasci nos anos 80 e ar condicionado não era algo com a qual a gente podia contar para se sentir mais aliviado.
O verão da minha infância se resume a estar com os primos e comer o bolo de nega maluca da minha vó sem pensar em glúten. De folga mesmo, só nós, as crianças. As mães e pais seguiam em ritmo normal para manter nossa vida funcionando.
Nós, os pequenos, aproveitávamos o cotidiano da casa. A nossa, a dos avós e dos tios. Vamos brincar de novela? Eu sou a Duda, da Top Model. Vamos brincar de fazer uma apresentação de dança para os pais e tios na sala da vó? Oba! A vó deixou a gente usar aquele pano (trilho de crochê bordado a mão) da mesa para fazer uma passarela de desfile. Vó, tem mais bolo? Faz o bife com mais caldinho para eu misturar no arroz? O que vãos fazer hoje? Nada? Então, você pega a vassoura lá perto das máquinas grandes que a gente brinca de bruxa.
Nada especial. Tudo especial. Dias comuns que não voltam jamais.
E, quer saber? As melhores férias de uma vida inteira. Cenários incríveis no mesmo lugar. Histórias marcantes com as mesmas pessoas. Por isso, fantásticos mesmo são os personagens que compõem a nossa infância. É desses que lembramos para sempre. Enquanto as aulas não voltam, é dessa fonte que precisamos beber: presença, colo e espaço para brincar de qualquer coisa que dê na telha.
Não é o destino longe e caro que transforma as férias de alguém. É o que você leva de si, quem está com você e como você vivencia isso. É a liberdade luxuosa de dormir até acordar. Perder o controle da rotina. Ler. Ver tevê. Brincar de novela. É pedir para a vó para raspar a travessa da massa do bolo antes que outro neto peça.
As férias da minha infância foram perfeitas. Exatamente o que a criança em mim precisava. Queria poder ter escrito isso às minhas professoras que faziam essa pergunta todos os anos.
Eu nunca aprendi a reproduzir o bolo de nega maluca da minha vó com maestria. Nem ouso. A minha calda fica mais rala e só a dela fica maravilhosa. Nas páginas amareladas do seu de receitas, ela esconde mais segredos do que sabe contar. Se pergunto a proporção, responde que é a olho. Não existe isso de duas xícaras de farinha. Afinal, não tenho aquela medida velha de guerra que ela usa como guia. Vó não cozinha a olho, é com o coração. Como eu transformo os ingredientes? Só o tempo. Ainda não tenho a essência de baunilha daquela marca que você diz que é a melhor. Mas graças aos personagens adultos da minha velha infância, tenho sempre o ingrediente mais básico e insubstituível para todas as férias: afeto.