Acerca da história da Maçonaria existem inúmeras obras de orientação diversa, que variam de acordo com os dados e as fontes que tomam por base, as concepções adoptadas e cristalizadas nas diferentes obediências e ritos, as influências de historiadores mais antigos e as opções pessoais de quem as escreve. Opções pessoais que têm a sua razão de ser, não só porque esta provecta Ordem requer a interpretação pessoal de algumas das suas realidades, mas também porque àquele que se dedica ao trabalho de historiar é lícito recorrer a alguma subjectividade.
Esse carácter condicional dos factos, que impende sobre as narrativas históricas, revela que estas podem conter tanto de imaginação quanto de descoberta. E isso acontece porque nas suas investigações os historiadores raramente lidam com factos completos mas apenas com fragmentos, e para contar um episódio têm, frequentemente, de preencher as lacunas existentes criando texto. E o autor pode ainda excluir este ou aquele elemento e dar mais ênfase àquele outro, exactamente como um criador de ficção. Portanto, a subjectividade está presente no discurso historiográfico. Trata-se obviamente de uma subjectividade ao serviço da verosimilhança, ou seja, da construção de um discurso coerente e plausível.
A História não se pode considerar uma ciência, sobretudo se comparada com as ditas ciências modernas. No entanto, o historiador tem de obedecer a parâmetros definidos, percebendo que o terreno da história possui um campo teórico e uma tradição historiográfica. Para ser reconhecido e debatido pelos seus pares, o historiador tem de seguir a metodologia adoptada pela disciplina. Os temas aportados devem considerar como ponto de partida o estudo de fontes directas e indirectas, mas também o universo de dados e conclusões anteriores de autores que trabalharam no tema, caso contrário não produzirá mais do que uma repetição.
Daqui resulta uma certa competição visando superar as análises já produzidas sobre as fontes existentes. Interpretar melhor, adicionar mais dados, chegar mais longe. E isso é sempre possível, na medida em que o surgimento de novos conceitos e a aceitação de outros tidos até então por inaceitáveis, proporcionam renovadas abordagens aos mesmos assuntos, que muitas vezes se traduzem em resultados surpreendentes.
Apesar da sua antiguidade e da evidente integração nas ciências sociais, a disciplina da História também apresentou uma trajetória própria, como as ciências, em especial a partir de meados do século XX, nomeadamente no que concerne ao paradigma da identificação da verdade dos factos passados com a verdade objectiva, aspecto que foi repetidamente questionado pelas correntes mais interpretativas; e na questão da subjectividade da interpretação do autor, do seu ponto de vista, do tal carácter condicional dos factos, e dos interesses envolvidos, que, tanto no trabalho sobre as fontes, como na construção do discurso sobre o tema, passaram a ser problematizáveis e, frequentemente, problematizados.
A História emancipou-se de certas funções anteriores e ganhou mais autonomia, acompanhou a evolução da sociedade e deixou de estar subordinada a uma ideologia oficial, como nos casos evidentes do papel que desempenhou na criação das identidades nacionais e na formação dos estados modernos. Deixou de estar ao serviço da política e conquistou um estatuto independente: aquele que cada historiador constrói de acordo com a sua liberdade intelectual.
Tratando-se de uma instituição muito antiga, genericamente discreta, e pontualmente secreta, tudo se complica quando se pretende proceder à crítica das fontes usadas na historiografia maçónica – metodologia a que se recorre na ciência historiográfica, nomeadamente para validar ou infirmar proposições. Por outro lado, muitos dos historiadores da Maçonaria nem o são de facto, tratando-se apenas de maçons bemintencionados, mas sem formação académica para enfrentar as dificuldades que se colocam a quem pretende descrever as realidades do passado que, muitas vezes, não se lêem nas linhas mas sim nas entrelinhas dos documentos. Acresce a dificuldade colocada pela constante ausência de citação das fontes na maioria das obras produzidas, e eis-nos perante um mundo de publicações de incontrolável validade.
Existirão, certamente, variados motivos para essa proliferação de historiografia maçónica errática, quer resultantes de um afã desmedido em carear ligações inexistentes entre a Ordem e os mais variados e peculiares acontecimentos da História da humanidade; quer para fundamentar certas estruturas e ritos em detrimento de outros; quer por excesso de liberdade criativa do “historiador” perante a escassez de fontes, quer ainda devido a simples erro de repetição interminável de asserções mal fundamentadas.
Dessas explicações escolhi uma, apresentada pelo historiador e maçom norte-americano Arturo de Hoyos que nos diz, numa das suas obras*, que tal como qualquer maçom em visita a lojas de outros estados ou países pode atestar, o ritual maçónico não é exactamente o mesmo de jurisdição para jurisdição. Da mesma forma, a memória de todos os homens não é a mesma, e como tal é natural que alguns candidatos/interessados procurem uma versão impressa do ritual que os auxilie na compreensão do mesmo. Não surpreende, pois, que na impossibilidade de acederem a rituais oficiais e autorizados, recorram a muito daquilo que vai sendo publicado sem o sancionamento ou a chancela das estruturas próprias, e que tendo sido, ou não, publicados por maçons, constitui um vasto universo de publicações não oficiais que, passadas décadas ou séculos, contribuem para a dificuldade da verificação das fontes historiográficas maçónicas.
Em conclusão, alerto para o necessário sentido crítico que deve nortear todas as nossas leituras, não só pelos motivos já referidos mas também porque devemos evitar que a paixão e o apego à nossa Aug:. Ord:., ou ao Rito, nos turve o discernimento quando deles falamos, lemos ou escrevemos – o que seria uma atitude mais própria do profano entorpecido do que do maçom desperto.
*DE HOYOS, Arturo. Light on Masonry: The History and Rituals of America’s Most Important
Masonic Exposé. Washington, D.C. – Scottish Rite Research Society, 2008.
Fonte: JB News