A Igreja Católica, na Civilização Medieval, manteve o regime das classes sociais diferentes, reconhecendo a existência de um clero, uma nobreza e um povo.
Mas ao mesmo tempo que manteve essa diferença, alterou fundamentalmente alguns aspectos dessa diferença.
Antes de tudo, a primeira das classes sociais, que era o clero, era uma classe completamente aberta a todas as pessoas que tivessem vocação para nela ingressar.
A Igreja nunca exigiu que a pessoa pertencesse a determinada classe social para chegar a entrar no clero.
Pelo contrário, foi muito frequente o exemplo de pessoas pertencentes às camadas mais modestas da sociedade e que ascendiam a mais alta categoria da hierarquia eclesiástica.
De outro lado, tínhamos a nobreza. A nobreza era uma classe hereditária, mas havia aí também uma grande diferença.
Em primeiro lugar, um nobre podia ser destituído de sua nobreza, se ele praticasse determinados atos infamantes.
De outro lado, um plebeu poderia ser promovido a nobre se ele praticasse atos de relevância.
De maneira que a condição de nobre não era uma condição fechada, na qual ninguém pudesse entrar e ninguém pudesse sair.
Era, pelo contrário, uma condição que passava por uma renovação lenta.
Aos poucos os elementos deficientes eram eliminados e os elementos novos que iam aparecendo, eram aproveitados. Esta classe era uma classe que tinha alguma fixidez, mas era uma classe aberta.
Ao lado disto, tínhamos a burguesia e depois a plebe.
Mas o ponto mais importante é saber o seguinte: clero, burguesia, nas suas imensas variedades, mercadores, industriais, homens de estudo, proprietários, pequenos lavradores, trabalhadores manuais, nobres, clérigos, em que medida todos eles participavam, ou em que medida deviam participar da direção do Estado.
Dentro do comum das organizações políticas modernas, o problema foi resolvido numa base puramente numérica.
Entende-se que o Estado é indiferente em questão de classes sociais e que por causa disto, cada um tem o direito a um voto.
E quando se chega na hora de votar, cada um dando um voto o resultado se aprecia numericamente. Tantos brasileiros tiveram tal orientação, se essa orientação é da maioria, ela prepondera.
Na aparência, dizia o Papa Pio XII num de seus recentes discursos, na aparência, a solução é das melhores.
Porque uma vez que confia a direção da coisa pública a maioria dos cidadãos é naturalmente interessada em que as coisas do Estado vão bem.
Colocar a direção do Estado nas mãos dos principais interessados é, certamente, a melhor das soluções.
Mas na realidade, verificamos que no plano das competências, no plano das especializações, esta solução pode ser muitas vezes defeituosa.
E por quê? É porque necessariamente, as classes mais numerosas ficam com a voz dirigente.
Pois se tudo se apura em termos de número, é claro que a categoria mais numerosa acaba tendo uma força que pesa com o elemento que resolve.
De outro lado, o elemento menos numeroso, o elemento que resolve poderia representar precisamente o fator pensamento, o fator orientação, o fator elite, esse elemento fica excluído porque é menos numeroso e é necessariamente derrotado.
Esse mecanismo, muito simples e claro à primeira vista, acaba produzindo freqüentemente uma seleção, às vezes. Pode ser que produza uma verdadeira seleção, mas frequentemente acaba produzindo uma seleção às avessas.
Então, nasce o problema para o qual o Papa Pio XII pedia a atenção dos homens cultos e dos homens de Estado de nosso tempo, de saber como dentro de um país, se devem distribuir as parcelas de influência na direção do Estado, de maneira que o Estado seja judiciosamente orientado e governado.
A esta questão, a Idade Média pode nos dar algumas sugestões para uma solução.
O que prevalecia na Idade Média era antes de tudo a seguinte idéia de que todos os homens foram criados por Deus, iguais. Iguais por natureza. Todos os homens, enquanto homens, são iguais. Por causa disto, têm todos eles, em face do Estado, os direitos inerentes à natureza humana, inteiramente iguais.
A natureza humana deu ao homem, ou por outra, o homem tem por natureza, direito à vida, direito à propriedade, certo direito à liberdade individual, direito à dignidade pessoal, à saúde, etc..
Como estes direitos decorrem da natureza humana, e todos os homens são igualmente homens, é natural que o Estado deve assegurar esses direitos igualmente a todos os homens.
Mas acontece que os homens, ao lado desses direitos essenciais que são inerentes a todos, têm também determinados direitos que são acidentais. São direitos que provém de acidentes existentes em sua própria natureza.
O homem mais inteligente, o homem mais capaz, o mais trabalhador, o mais virtuoso, pelo fato de ter determinadas qualidades que estão acima do nível comum, acaba adquirindo direitos maiores.
Então, a verdadeira justiça dentro da sociedade, não consiste em ser absolutamente igual para todos, mas consiste em tratar a todos de tal maneira que lhes assegure os direitos essenciais da pessoa humana.
E que além disso, distribua maiores vantagens e maiores honrarias para aqueles que aguentam mais pesadamente o fardo dos interesses coletivos.
Dentro dessa ordem de ideias, na Idade Média prevalecia o conceito de que duas classes sociais deveriam sobretudo viver para o bem público, e que essas duas classes sociais mereceriam a participação maior na direção dos negócios públicos: o clero e a nobreza.