a
a
HomeTextos e HistóriasGrande Oriente de Pernambuco entrevista o Ir. Tristan Bourlard, diretor do documentário Terra Masonica

Grande Oriente de Pernambuco entrevista o Ir. Tristan Bourlard, diretor do documentário Terra Masonica

Diretor de cinema belga lança documentário em que ressalta as similaridades e dificuldades da Maçonaria em todos os continentes, e milita, de forma singular e refletida, pela coexistência feminina na tricentenária instituição

No último dia 24 de junho, a Grande Loja Unida da Inglaterra, instituída em 1813, celebrou os 300 anos de fundação de sua antecessora, a Grande Loja de Londres e Westminster, a mais antiga grande loja do mundo. Até então, as lojas maçônicas não possuíam um poder administrativo central, pois, originalmente, elas se tratavam de corporações que reuniam pedreiros, canteiros e mestres-de-obras (e deveriam ser chamadas, em português, de alojamentos, tradução correta para lodges), as quais, com o tempo, tornaram-se associações que passaram a admitir membros de todas as classes sociais que quisessem desenvolver-se moralmente, estudando o rico simbolismo das ferramentas dos construtores de catedrais na Idade Média, e contribuir para a evolução social.

A influência da Maçonaria na sociedade ocidental está nos livros de História: fornecendo terreno para as discussões de todos os atores da Revolução Francesa, a incitação da independência dos Estados Unidos e de praticamente todos os países latino-americanos no século XIX, a abolição da escravatura e a proclamação da república, no Brasil. Por isso, ela cause tanto medo e ódio em regimes totalitários: Franco, Hitler, Mussolini, Stálin, Vargas e os regimes islâmicos fecharam as portas da Maçonaria (Cuba foi a única exceção, embora o governo castrista tenham aparelhado as lojas). Os fundamentalistas religiosos também não a veem com bons olhos, pelo seu caráter reservado, supostamente esotérico, e pela defesa da coexistência religiosa na sociedade.

Para além de rituais fechados e exóticos aos “profanos”, e de uma instituição à qual pertenceram personalidades famosas, a Maçonaria ainda mantém um viés filantrópico, liberal e democrático inabalável, como mostra o documentário Terra Masonica, produzido e dirigido pelo Irmão belga Tristan Bourlard, e previsto para chegar aos cinemas neste semestre. Terra Masonica foi exibido em sessão privada promovida pela ARLS Joaquim Nabuco em 18  nº 3152, de julho passado, no Templo A da ARLS Cavaleiros da Luz n° 1057, quando participaram cerca de 30 Irmãos de Lojas do Grande Oriente de Pernambuco, os quais tiveram espaço aberto para perguntas e comentários após a exibição.

Tristan, também é diretor do célebre documentário O segredo da Maçonaria (The Scottish Key: An investigation into the origin of Freemasonry, 2007), exibido pelo canal Discovery Channel, e concedeu uma entrevista exclusiva ao site do Grande Oriente de Pernambuco com perguntas enviadas por e-mail e traduzidas pelo Irmão Carlos Eduardo Amaral, Secretário Adjunto de Educação e Cultura do GOPE.

Você não pensa em produzir um Terra Masonica II ou outro documentário maçônico? Pessoalmente imagino como seria bom saber dos conflitos e dificuldades de nossos Irmãos em Cuba, no Haiti, no Nordeste do Brasil, na Nigéria, Irã, Marrocos, Turquia, Grécia, China…

Acho que nunca terei um novo orçamento para fazer uma sequência desse filme, mas, se eu o tivesse, teria de ter também força física para consegui-lo. Cada projeto é específico e o meu próximo projeto é um desdobramento de The Scottish Key, chamado The German Key porque nós geralmente subestimamos a contribuição da Alemanha à questão das origens da Maçonaria, especialmente ao redor do ano de 1750.

Quais as contribuições germânicas para a formação da Maçonaria?

A questão das origens da Maçonaria é complexa. Vamos dizer que, em curtos termos, a Maçonaria anglo-saxônica trouxe sociabilidade; a escocesa, tradição; a francesa, cidadania e criatividade; e a alemã, uma visão mais filosófica, esotérica, gnóstica e teológica da instituição. A Alemanha é uma encruzilhada entre ocidente e oriente [no território europeu]. Foi pela influência alemã que o Rito Sueco foi inventado e foi também na Alemanha que, no século 17, o mito rosacruz [a vida de Christian Rosenkreuz] foi inventado.

Há uma trilha sonora original ou incidental em Terra Masonica? Percebi que muito da música ao longo do filme é tocada por Irmãos maçons, quando não composta por eles.

A música do filme foi composta por cinco compositores que não são maçons*. Eu gravei um monte de música tocada ao vivo por Irmãos maçons durante o filme, o que é muito importante para mim. Acredito que música é também uma forma de estruturar o tempo e o espaço. Música é a arquitetura invisível do cosmos.

Quem é a pessoa a quem você dedicou o filme in memoriam [a maçona belga Fabienne Fayt**]?

Quando você perde um amigo [no caso, uma amiga] que é importante, nenhum tributo é o suficiente.

Você é autor de uma biografia sobre Maria Deraismes e presta tributo à sra. Fayt, além das referências à participação feminina na Maçonaria que podemos perceber em Terra Masonica. Como você vê a observância dos landmarks, em especial aquele que estabelece a não admissão de mulheres?
Especialmente durante o século 17, houve um grande número de sociedades femininas na Europa, em particular na França, mas também da Rússia à Dinamarca. Essas “sociedades de damas” usavam a língua francesa e eram essencialmente compostas de aristocratas e intelectuais. O propósito dessas sociedades era dar às mulheres acesso ao conhecimento e ao poder. Esse fenômeno é negligenciado na história da Maçonaria. Havia ainda muito mais sociedades iniciáticas de mulheres que de homens, naquela época. Um século mais tarde, em 1717, a Maçonaria moderna foi inventada. A Grande Loja de Londres e Westminster, exclusivamente masculina, então experimenta grande e rápido sucesso. Por quê? Porque não havia nada antes: os homens estavam ocupados na guerra ou no comércio. A questão não é considerar o valor de uma sociedade iniciática feminina, mas considerar a diversidade de gênero.
Como assim?
A Maçonaria feminina deve ser igual à masculina, mas a Maçonaria não-mista deve ser preservada pela simples razão de que homens e mulheres não funcionam do mesmo modo. Essas Ordens [a Maçonaria masculina e feminina] podem colaborar entre si, reconhecerem-se mutuamente, mas não se misturar. A Maçonaria mista está vivenciando grandes dificuldades, especialmente na França, onde os homens são em maior número nessa minoria de lojas. Depois de um curto tempo, eles deixam as lojas mistas [pertencentes à Ordem Maçônica Mista Internacional Le Droit Humain] para ingressar nas lojas regulares.
Onde entra a figura de Maria Deraismes no contexto da Maçonaria feminina?
Maria Deraismes (1828-1894) lutou por uma batalha essencialmente política. Ela permaneceu solteira por toda a vida. Era uma mulher especial. Foi iniciada perto do final de sua vida [em 1882, em uma iniciativa que causou um profundo rompimento na Maçonaria francesa] e morreu. Pessoalmente eu milito por uma Maçonaria independente, com rituais femininos, como na Ordem da Estrela do Oriente, e também por uma ampla colaboração entre Grandes Lojas masculinas e femininas, mas sem misturar [ambas as estruturas]. Não devemos nos esquecer que a Maçonaria é universal [no sentido de universalista] e deve permanecer assim. Há países onde a Maçonaria mista não pode ser aceita por questões de tradição. A Maçonaria universal deve respeitar essas tradições.

Quais são os templos maçônicos mais impressionantes que você visitou?

Visitei muitos templos em minha vida e para este filme. Um que é muito importante é o de Tenerife [capital das Ilhas Canárias, Espanha]. Não deu para explicar no filme porque é difícil e complicado de mostrar, mas aquele templo é imaginado como se fosse o centro de um dodecaedro***. Já o mais impressionante templo para mim é o primeiro templo da história da Maçonaria, em Edimburgo [capital da Escócia], porque existe um monte de histórias incríveis nesse templo e um segredo que só descobri recentemente [o templo da loja Canongate Kilwinning n° 2]. Vocês podem vê-lo no filme O segredo da Maçonaria (The Scottish Key). Ele data de 1736****.

Que parte do Livro da Lei é lida em lojas com membros não cristãos, como no Mali, em Israel ou na Índia?

Não há obrigação da leitura de um trecho do Livro da Lei. A função do Livro é apenas apresentar suas obrigações [juramentos] aos diferentes graus. É costumeiro que o VM escolha com qual Livro ele deva abrir e fechar os trabalhos. Para as obrigações, é o candidato quem pode escolher qualquer Livro que queira e uma passagem em particular que lhe caiba melhor.

Quantas lojas exatamente você visitou em função da produção do filme?

A resposta depende de sua definição de loja: é o grupo de maçons ou os edifícios em si? Para ser franco, não contei e nem todos os templos estão no filme. Gravei mais de 100 horas e só utilizei apenas duas. Então há um monte de gravações que não foram usadas.

* Na verdade, foram sete compositores, seis dos quais são do elenco da General Score, empresa belga especializada na produção de trilha sonora original para filmes: http://generalscore.com/en/project/terra-masonica/

** Tristan é autor do livro O pequeno abecedário do feminismo segundo Maria Deraismes (Le Petit Abécédaire du féminisme selon Maria Deraismes, 2015), uma biografia sobre a pensadora feminista e primeira mulher a iniciar na Maçonaria, na França de fins do século XIX (https://mariaderaismes.com/le-petit-abecedaire-du-feminisme/).

*** Para mais informações sobre o Templo Maçônico de Santa Cruz de Tenerife: https://es.wikipedia.org/wiki/Templo_Mas%C3%B3nico_de_Santa_Cruz_de_Tenerife#El_edificio

**** Vide: http://www.lck2.co.uk/new-The_Oldest_Masonic_Chapel_in_the_World.html

Saiba mais sobre o filme Terra Masonica.

Fonte:http://www.gope.org.br/
No comments

leave a comment