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MANTIQ AL TAYR, A conferência dos pássaros

A lenda do rei Salomão, traçada na antiga aliança, serve de suporte simbólico às lojas maçônicas, chamadas de azuis. Esta lenda fornece as ferramentas de elevação, crescimento espiritual aos seguidores. Eles vêm para bicar pouco a pouco sua comida espiritual, como pássaros do ninho, aspiram a crescer e subir ao céu.

Estas aves foram comparadas às almas que deixam a carne, a terra, para habitar nas nuvens.

“E Salomão herdou Davi e disse: Oh homens! Aprendemos a língua dos pássaros e recebemos todas as coisas. Isso é graça realmente óbvia. ”

O Mantiq Al Tayr ou “A conferência dos pássaros” é um excelente texto persa sufi atribuído a Farid al-Din Attar, é um masnavi, ou seja, um texto espiritual esotérico.
Ele compara pássaros a almas que se levantam depois de terem viajado pelos vales em busca de homens reais.

Primeiramente um importe detalhe deve ser conhecido:

“O ato de escrever pressupõe uma totalidade espiritual que se manifesta na vida do calígrafo, que deverá atravessar três etapas de aprendizado até que possa ser considerado como artífice da caligrafia: primeiramente, a prática visual (mashq-i nazari), depois a prática com o cálamo (mashq-i qalami) e, por último, a prática imaginativa (mashq-i khayali), sendo esta última a mais importante.

Até que possa alcançar a prática imaginativa, segundo Roxburg (2008, p. 284, 285, 286), o calígrafo observa e contempla o trabalho de seus predecessores a fim de compreender o modo como esses mestres compunham sua escrita, de forma a obter a harmonia ideal do desenho.

Em seguida, passa ao mufradat – o exercício de unir uma letra à outra e, quando terminam essa etapa, estão prontos para o mufredat – exercício no qual testarão sua capacidade de compor as formas das letras, combinadas em linhas e, em seguida, em linhas sucessivas, até obter uma ordem visual satisfatória do texto.

Os calígrafos repetem o mufradat e o mufredat ao longo de toda sua vida, a fim de alcançar continuamente a habilidade desejada.

Instrumentos de um calígrafo

O resultado do último estágio de aprendizado de um calígrafo, a prática imaginativa, é o que será capaz de identificá-lo como autor de um texto e pode ser definido pelo estilo particular que esse artista desenvolve na união de uma letra à outra (madd, mashq ou kashida) e do aparato de que dispõe para inserir os pontos e traços que apresentarão os valores fonéticos e as vogais.
As etapas do aprendizado do calígrafo comprovam que o caráter visual da escrita é predominante para os persas, mas constitui também uma ascese do próprio fazer que forma o calígrafo e ao mesmo tempo sua obra: trata-se de arte. Assim como nos ideogramas chineses, o corpo do calígrafo persa é um instrumento a serviço da escrita. Ele revela as potências mentais do calígrafo, cuja preocupação em relação ao ofício não e restringe aos aspectos formais e técnicos. Ao final de sua formação, o calígrafo torna-se apto a escrever, mas, sobretudo, adquire a consciência de que fazer isso é mais do que, simplesmente, registrar um texto a ser lido, é determinar uma forma de leitura.
Podemos estabelecer um paralelo entre o que as caligrafias persa, chinesa e japonesa têm de singular, no que diz respeito à espacialidade do texto. Nessas culturas a experiência espacial da escrita propicia ao leitor uma experiência de leitura que extrapola a lógica linear a que a escrita Ocidental nos submeteu.
Essa linearização da escrita no Ocidente seria também, segundo a pesquisadora Anne-Marie Christin, responsável pelo esvaziamento da força simbólica da palavra escrita como um signo inscrito, pois reduziu a leitura a uma operação de simples transposição fonética.

Nesse sentido, é como se o sistema da escrita tivesse esquecido aquela potência divinatória que continha originalmente quando o ato de ler esteve também associado ao ato de ver.”

No Ocidente só é possível ler de forma linear significa, reduzir o ato de ler a uma racionalização que não leva em conta essa essência espacial que a leitura continha originalmente e que a autora denominará de “pensamento da tela”.
Reconhecer a importância do pensamento da tela é, antes, compreender que algo ali escapa à hegemonia do real e solicita uma copresença que “retorna o espectador não à realidade de contatos entre seres figurativos na tela, mas em sua própria memória, onde mitos e verdades são interpenetráveis de forma inextrincável”. (CHRISTIN, 2009, p.29).

Em “A Linguagem dos Pássaros”, o enredo da história contada pelo poema é a seguinte: os pássaros do mundo se reúnem para decidir quem será seu rei, já que eles não têm nenhum. A Poupa (Upupa sp.), o mais sábio de todos eles, sugere que eles devem encontrar o lendário Simorgh, um pássaro mítico persa – uma alegoria da busca por Deus.

Início da Conferência
1a. O Rei e o Escravo que foi empalado porque enxugou o rosto com o manto de honra ofertado pelo Rei.
2a. O Rei e o Mendigo a quem o Rei ordena que seja cortada a cabeça porque ele preferiu salvar sua cabeça ao amor do Rei.
3a. O Rei que pratica tiro ao arco em uma maçã colocada sobre a cabeça de seu escravo e em um tiro o fere.
Estas três histórias são contadas em resposta ao Falcão. A figura do Rei pode ser entendida como uma alusão ao Ego, que exerce um comando tirânico; não é capaz de “amar” e escraviza. Em seu extremo contraste a Poupa tem que contar a historia do Santo que não temia a morte. É endereçada ao Pardal que duvida de suas próprias forças.

O Simorgh,também conhecido como a fênix persa.

Na primeira parte cada pássaro faz sua autoapresentação antes de seguir em viagem até o encontro com o Simorg. Na Segunda parte – As desculpas dos pássaros –, os pássaros apresentam sua desculpas, elaboram perguntas e argumentos, a fim de se esquivarem da possibilidade de seguir viagem;

A poupa aceita a missão de guia e começa a ensinar a cada pássaro de acordo com seu nível de conhecimento e temperamento.
O papagaio, egocêntrico e egoísta, disse que no lugar de ir em busca do rei, iria procurar a fonte da vida: “a fonte de Hidr basta-me”; o pavão real, a ave legendária do paraíso, exclamou que sonhava que voltaria ao céu e que iria esperar pacientemente esse dia; a pata lamentou-se porque sua vida dependia de estar próxima da água e morreria caso se separasse dela; a garça apresentou uma desculpa similar, não poderia viajar para longe do mar, porque seu amor pela água era tão grande que, embora permanecesse sentada durante anos à sua margem, sem beber uma só gota de sua água, ficaria a contemplá-lo. A cada desculpa a poupa percebia quão frágil era o ânimo do fraco buscador.
A coruja, ou o mocho, declarou que preferia ficar e buscar as ruínas com a esperança de encontrar nelas, algum dia, um tesouro; o rouxinol disse que não iria viajar, porque era enamorado da rosa e este amor tornara-se suficiente para ele, ninguém conhecia os seus segredos, unicamente a rosa. Havia se esquecido de si mesmo e só pensava na rosa. “Alcançar a Simurg está acima de mim” (Attar, 1991, p. 49).
A poupa, entendendo o sentimento de insegurança dos pássaros, exortou-os com a narrativa daqueles que tinham feito a perigosa viagem. Convencidos com suas histórias os pássaros decidem então ir até o primeiro vale. Entretanto, logo começam a ter problemas, e se dão conta de que o caminho seria mais difícil do que haviam imaginado.Recomeçam as justificativas para desistência da jornada. Um afirma que a poupa não é suficientemente sábia para conduzi-los. Outro se queixa que Satanás lhe tem possuído e lhe está pondo as coisas difíceis. Há ainda o que expressa seu desejo de ter dinheiro e a comodidade de uma vida de luxo. (E você ae achando que 1984 de George Orwell era uma ideia original ?! )

No entanto, a poupa replica a todos. Na Terceira parte – A travessia dos vales –, conhecemos como se dá o percurso dos sete vales e, na Quarta Parte – A atitude dos pássaros –, temos o relato do que aconteceu aos pássaros ao final da viagem. Por fim, no Epílogo, Attar assume o fato de que o seu livro é um guia místico e que toda sua preocupação ao escrevê-lo esteve concentrada no objetivo de indicar um caminho para o encontro com o divino.

Poupa

A poupa respresenta um mestre sufi e cada uma da aves que desiste da viagem representa uma falha humana que impede o homem de atingir a iluminação. Do grupo de pássaros que parte, somente trinta pássaros consegue, finalmente, chegar ao local de moradia do Simorgh. Lá eles descobrem que eles mesmos são o rei que procuram.

Além de ser um dos exemplos mais célebres da poesia persa, este livro se baseia em um jogo de palavras entre as palavras Simorgh e “si morgh” – que significa “trinta pássaros” em persa.

Para alcançar o local onde está o Simorgh – o Monte Qaf – as aves devem atravessar sete vales: Talab (ânsia), Eshq (amor), Marifat (gnose), Istighnah (desapego), Tawhid (unidade de Deus), Hayrat (perplexidade) e, finalmente, Fuqur e Fana (abnegação e extinção). Estes vales representam as estações que um sufi ou qualquer indivíduo deve passar a perceber a verdadeira natureza de Deus.

Dentro do contexto maior da história da viagem dos pássaros, Attar conta ao leitor, em estilo poético, diversas historietas didáticas e cativantes. Toda a obra reflete a doutrina sufi, que inclui a noção mística de que Deus não é externo ou separado do universo, e sim a totalidade da existência. Os trinta pássaros buscando o Simorgh percebem que o Simorgh nada nada mais é do que a sua totalidade transcendente. Ao perceberem a verdade, eles assim chegam à estação de Baqa (subsistência), que fica no topo do Monte Qaf.

Alguns maçons trabalham incansavelmente nos vales, mas o que eles estão procurando nesses vales?

O texto Sufi diz que ae se superar os desafios dos vales, algumas qualidades e lições são aprendidas.
Que o primeiro vale é o da pesquisa, o segundo que surge dessa pesquisa é o do amor, que é ilimitado. O terceiro vale é o do conhecimento, o quarto é o da independência, o quinto é o da pura singularidade, o sexto é o da estupefação, da contemplação, da iluminação, que leva ao supremo da pobreza, humildade ou o ego é derrotado, reduzido a cinzas, a pó no portão do leste eterno.
Seguir essas aves é seguir a própria alma, vê-la crescer, depois de ter visto as fraquezas e forças do corpo, ver a alma de alguém se erguer e se ver como é, finalmente, no todo.

Bibliografia:

ATTAR, Faridud-Din. A Linguagem dos Pássaros. São Paulo: Attar Editorial, 1991.
KAHATAMI, Muhammad. Diálogo entre as Civilizações. O Irã contemporâneo e o Ocidente. São Paulo: Attar, 2006.
RIBEIRO, Leo Gilson Ribeiro. Resenha de “A Linguagem dos Pássaros”. Disponível em: www.attar.com.br/resenhas. Acesso: 09.jul.2010.
SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente.

Fonte: http://www.irmaosdaordem.com.br/mantiq-al-tayr-a-conferencia-dos-passaros/

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