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O Contributo da Maçonaria para a Abolição da Escravatura – Parte I

Introdução

O tema em questão é de relevante importância histórica e política, principalmente por estar inserido entre os marcos de nossa História. Sabendo-se que esse tema é muito comentado, porém com poucos trabalhos publicados, continua sendo atraente para a busca de uma exploração maior.

Ao longo dos tempos muito se tem lido sobre a Maçonaria como uma instituição de marcante participação e influência na política.

Na história da política brasileira lê-se bastante que a mesma teve relevante participação, principalmente na Independência do Brasil e na Abolição da Escravidão.

O tema desse trabalho é sobre a participação da maçonaria, especificamente sua atuação para a Abolição, com destaque para o período entre 1815 a 1900, sua participação no processo de abolição da escravidão no Brasil.

Esse trabalho foi fruto de uma investigação, que procurou entender como era constituída a maçonaria no séc. XIX, qual a sua força política e social e como influenciou politicamente a Abolição no Brasil.

Será que a maçonaria tinha realmente força política para decidir no voto a abolição? E dentro da maçonaria havia uma coesão quando o assunto era abolição? Havia uma posição oficial da maçonaria quanto a esse assunto? Quais eram as formas de atuação da maçonaria para abolir a escravidão? Qual era o pensamento da maçonaria nesse século que fazia concordar com os ideais de abolição? A maçonaria só lutou pela abolição no Brasil ou em outros países também? Quais os principais nomes de maçons que tiveram participação no abolicionismo nesse período? E depois da abolição, será que os afrodescendentes foram largados à própria sorte? E como atuou a maçonaria imediatamente após a abolição?

Atualmente, a maçonaria começa a revelar um pouco da sua história, porém o que se encontra com facilidade nos sites, documentos e toda literatura produzida por maçons são registros enaltecedores, cabe-nos criticá-los. Existe um movimento de “abertura” das lojas para visitação pública, existem as reuniões secretas e as abertas, muitos livros estão sendo publicados, revistas especializadas em maçonaria revelam segredos da iniciação, de sua atuação no mundo e da vida dos seus membros. Mesmo assim muitas questões ainda precisam ser respondidas sobre a atuação da maçonaria na Abolição, e suas ações específicas nessa causa, bem como a urgência de se explorar o assunto por sua importância e falta de trabalhos publicados sobre esse tema. Portanto, tornar-se-á interessante explorar essa participação, o quanto mais possível, pois o próprio autor teve e sempre terá a ânsia e o desejo da verdade, embora sabendo que dificilmente os encontrará na sua plenitude.

É mister revelar se a maçonaria teve influência, através de seus seguidores, na formação de opinião para a construção do pensamento político; na manutenção de entidades filantrópicas para a libertação e emancipação do negro; na organização de quermesses e outros eventos para angariar recursos para compras de alforrias; no debate e na iniciativa de construção de uma educação emancipadora de caráter universal para o filho do pobre e do negro; na direção de jornais abolicionistas; no exército na figura do marechal Deodoro e de Floriano Peixoto, entre outros, que se recusaram a perseguir negros fugidos, e na ação individual de maçons como José do Patrocínio, Ruy Barbosa, Luiz Gama, Joaquim Nabuco, José Maria da Silva Paranhos (tanto pai quanto filho, Visconde e Barão do Rio Branco, respectivamente), João Cordeiro e Francisco José do Nascimento (mais conhecido como Dragão da Abolição).

A maçonaria parece ter tido membros em diversas esferas, e na política não foi diferente. Exemplo disso é que o gabinete do Imperador D. Pedro I, era composto principalmente por pessoas que pertenciam aos quadros da instituição, com destaque especial para José Bonifácio de Andrade e Silva; e todas as leis libertadoras de escravos tiveram como seus autores maçons, como as leis Eusébio de Queirós, do Ventre Livre e dos Sexagenários.

Como instituição, a Maçonaria foi uma força, se comparada à Igreja Católica muito mais antiga e poderosa, que logo cedo se posicionou contra a escravidão. A Igreja Católica, só manifestou-se abertamente contra a escravidão em 1887, às vésperas da Abolição. Porque tantos expoentes da abolição como os citados acima saíram dos quadros da Maçonaria e tão poucos dos quadros da Igreja? E por que, dentre estes poucos que encontramos nos quadros da Igreja, coincidentemente os mesmos se encontram também nos quadros da Maçonaria, como Diogo Antonio Feijó?

Formação da Maçonaria no Brasil e sua atuação no processo de abolição e emancipação

A moderna maçonaria, como conhecemos hoje, teve origem na Inglaterra em 24 de junho de 1717. Em 1723, o reverendo presbiteriano James Anderson publicou as Constituições da Maçonaria. Este momento é importante e histórico para a Maçonaria, pois aqui se inicia a Maçonaria Simbólica ou Moderna e encerra-se o longo período considerado como Maçonaria Operativa, em que a Ordem Maçônica estava diretamente ligada à arte da construção, reunindo-se em guildas de pedreiros, responsáveis pela edificação de templos e prédios. É alicerçada nestas Constituições de Anderson que a Maçonaria Simbólica ou Moderna permanece, de forma quase intacta, até hoje.

Todavia, grande parte concorda que as feições da maçonaria moderna remontam a 1717, marco da formação da Grande Loja de Londres que converteu a Ordem em uma espécie de escola de formação humana de caráter cosmopolita e secreto, reunindo homens de diferentes raças, religiões e línguas com objetivo de alcançar a perfeição por meio do simbolismo de natureza mística e/ou racional, da filantropia e da educação (Benimeli, 1984, p. 464). Nesse período, a maçonaria abandonou sua origem ligada às velhas confrarias de pedreiros da época medieval, permitindo a admissão de novos elementos, sem a obrigatoriedade de serem ligados às corporações de ofício ou às sociedades de construtores: eram os “maçons aceitos”. [1]

No Brasil, a primeira loja que se tem notícia surgiu na Bahia, em 17 de julho de 1797, na fragata francesa La Preneuse, cujo nome foi dado de “Cavaleiro da Luz” e foi fundada pelo comandante Larcher, José Borges de Barros e o Tenente Hermógenes Aguiar Pantoja. Antes dessa data, aqui existia apenas agrupamentos com características maçônicas, como gabinetes de leitura e associações, funcionando como clubes ou academias.

A introdução da “Ordem” no Brasil resultou das transformações ocorridas em Portugal a partir das reformas pombalinas. A sociabilidade maçônica foi trazida na bagagem dos jovens brasileiros que iam estudar na Universidade de Coimbra (aliás, reformada por Pombal em fins do século XVIII). Muitos desses estudantes brasileiros prosseguiam seus estudos em universidades inglesas e francesas, nas quais aprofundavam seus vínculos com os círculos maçônicos. A Faculdade de Medicina de Montpellier, muito procurada pelos estudantes brasileiros na época, constituía-se num dos núcleos de pedreiros livres[2] no sul da França.

A primeira Loja Maçônica regular do Brasil, a que se denominou “Reunião”, foi fundada em 1801, no Rio de Janeiro, tinha fins puramente político-sociais e era filiada ao Oriente da França. Dois anos mais tarde, o Grande Oriente Lusitano, ou seja, de Portugal, desejando propagar no Brasil a verdadeira doutrina maçônica, nomeou três delegados com poderes para criar mais lojas no Rio de Janeiro, surgiram então as lojas “Constância” e “Filantropia”.

Muitos aceitam que a primeira loja maçônica foi fundada no Rio de Janeiro em 15 de novembro de 1815, ficou conhecida como Loja Maçônica Comércio e Artes[3], a Primaz do Brasil. Criada em 1815, inativa após o alvará governamental de 1818, que proibia o funcionamento das sociedades secretas, e reerguida em 1821; foi dividida em três Lojas, daí resultando, além dela mesma, a União e Tranqüilidade e a Esperança de Niterói.

A maçonaria brasileira desde o seu início, apesar de ter se tornado um espaço de sociabilidade por excelência, durante todo o período de lutas pela independência política do Brasil e abolição da escravidão, não conseguiu manter uma coesão. Ela vivenciou dissidências, rachas e grupos rivalizando-se dentro das próprias lojas. Logo, percebe-se que, ao estudar a contribuição da maçonaria para a Abolição, ela, durante esse processo, terá uma participação importante, mas não unânime.

Nos momentos decisivos do processo de nossa emancipação política, as divergências manifestaram-se dentro da maçonaria. Criou-se uma oposição entre “republicanos” (ou “democratas”), capitaneados por Gonçalves Ledo, e os simpatizantes da monarquia centralizada, liderados por José Bonifácio. Com o término do Primeiro Reinado, dois “Grandes Orientes” são organizados: o Grande Oriente do Brasil, sob o comando de Bonifácio, e o Grande Oriente Nacional Brasileiro da Rua do Passeio, 171, constituído pelos inimigos políticos dos Andradas.

Nos primeiros dias após a proclamação da independência, de 7 de setembro de 1822, iam adiantadas as escaramuças entre os dois grupos, dentro do Grande Oriente, os quais culminariam com o golpe aplicado por Ledo, ao conseguir destituir Bonifácio do Grão-Mestrado, à socapa e fora de assembleia geral, empossando D. Pedro no cargo, a 4 de outubro de 1822. O troco seria no terreno político, com Bonifácio mostrando ao imperador que a luta da independência exigia um período de calmaria política interna, que estava sendo quebrada pelo grupo adversário, com exigências descabidas a D. Pedro e uma rede de intrigas, que poderiam minar a luta externa. As exigências descabidas eram: o juramento prévio de D. Pedro à Constituição ainda não votada e aprovada e a assinatura de três papéis em branco. Diante disso, enquanto José Bonifácio instaurava processo contra os membros do grupo de Ledo, D. Pedro enviava a este a ordem para fechar o Grande Oriente, o que aconteceria a 25 de outubro de 1822.
(…)
Durante praticamente todo o período restante do Primeiro Império, as Lojas brasileiras permaneceram em recesso, só começando a ressurgir quando o cenário nacional caminhava para uma grave crise política, que iria levar, a 7 de abril de 1831, à abdicação de D. Pedro I em favor de seu filho, D. Pedro II, então com pouco mais de cinco anos de idade, ao qual, alguns dias depois, ele escreveria uma carta, como se adulto fosse o herdeiro, plena de dramaticidade. Em 1830, então, ressurgia a Maçonaria brasileira, com a criação do Grande Oriente Nacional Brasileiro, o qual ficou, também, conhecido como Grande Oriente da rua de Santo Antônio e, posteriormente, Grande Oriente do Passeio, em alusão aos locais em que se instalou, no Rio de Janeiro. 
[4]

Nas décadas finais do Segundo Reinado, o Grande Oriente do Brasil (GOB) voltou a dividir-se: havia o Grande Oriente do Vale do Lavradio, aglutinando os maçons defensores da monarquia e influenciados pela maçonaria inglesa; e o Grande Oriente do Vale dos Beneditinos, que reuniu os maçons republicanos e que estava alinhado à maçonaria francesa. Depois disso, após a Proclamação da República, veio a “federalização” da maçonaria brasileira, com o surgimento dos “Grandes Orientes” estaduais, principalmente em São Paulo e no Rio Grande do Sul (1893) e também em Minas Gerais (1894). Somente entre 1883 e 1927, a maçonaria brasileira esteve unida pelo do Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brasil.

Na metade do XIX havia os maçons que acreditavam que a abolição deveria acontecer imediatamente, outros que a abolição causaria a falência do Brasil, e esse não era um receio apenas de integrantes da maçonaria, como escreve Emília Viotti da Costa:

Em defesa da escravidão, continuava-se a repetir velhos argumentos, usados desde o Período Colonial. Dizia-se que a escravidão era benéfica para o negro, pois que o retirava da barbárie em que vivia para introduzi-lo no mundo cristão e civilizado. Afirmava-se que o negro não era capaz de sobreviver em liberdade. Alguns, embora reconhecessem que a escravidão fosse condenável em termos morais, argumentavam que ela era um mal necessário, pois a economia nacional não poderia funcionar sem o escravo. A abolição da escravatura, diziam eles, seria a ruína do país. Essa foi a opinião que acabou por predominar entre as elites. [5]

Havia os que simplesmente eram contra a libertação dos escravos. Um caso notório como esse se deu dentro da Loja América de São Paulo, como contou mais tarde, em discurso no dia 17 de dezembro de 1909, na faculdade de direito de São Paulo, o próprio Ruy Barbosa o acontecido na referida loja por ocasião da proposta de lei maçônica de libertação do ventre das escravas:

Da pragmática tradicional éramos tão pouco escrupulosos que, contra as regras constitucionais da Ordem, senão lembraram de me conferir o grau de mestre para me elevarem a orador da Loja. Desse posto me bati contra o seu ilustre venerável, o Dr. Antônio Carlos, meu lente então de Direito Comercial, em defesa de um projeto meu, que obrigava todos os membros daquela casa a libertarem o ventre das suas escravas, e punha como condição prévia de admissão esse compromisso aos futuros iniciados. A minha proposta vingou, renunciando o douto professor a dignidade, que entre nós exercia. De modo que aquele grupo de estudantes liberais, acidentalmente congregados sob o rito maçônico, toca a honra da precedência na ideia, que, dois anos depois, o ato de 28 de Setembro veio a converter em Lei do país. [6]

O dr. Antonio Carlos era o Venerável da Loja e professor de Ruy Barbosa, havia renunciado à dignidade por não concordar com a proposta de libertação do ventre. Da mesma Loja América, faziam parte também Castro Alves e Joaquim Nabuco.

Existe uma correlação entre o vanguardismo político e a maçonaria no Brasil, basta ver que os primeiros pensamentos revoltosos contra a metrópole surgiram da permanência de estudantes brasileiros na França.
Um fato histórico que reforça a importância da maçonaria no Brasil no início do século XIX é a inusitada resposta do então Príncipe Regente D. João ao receber uma lista dos maçons que deveriam ser presos, dizendo, diante do tamanho da lista, que “foram estes que me salvaram”.
Outro exemplo da importância da maçonaria no Brasil é observada quando da partida da família real para Portugal, deixando no Brasil um príncipe regente cercado de maçons, que constituíam à época a elite econômica e pensante do país. O príncipe fora aprovado em assembleia maçônica, sendo iniciado em agosto de 1822 e recebido o nome simbólico de Guatimozin e em poucos dias fora aprovado para o grau de Mestre Maçom da loja “Comércio e Artes”. [7]

Se por um lado os maçons eram próximos e estimados pelo imperador, por outro, a grande parte que se considerava liberal, não tinha maioria política representada na Câmara e não representava o poder econômico do império, portanto, não tinha força para impor uma abolição antes da segunda metade do XIX. O que, se tivesse acontecido antes desse período, teria se configurado numa revolução.

Na Europa do séc. XVIII, a burguesia criara conceitos novos, que vieram pouco a pouco destruir a visão de mundo que justificava a ordem tradicional, conceitos que levaram à Revolução Francesa. Lá sim, uma revolução havia acontecido, onde, hoje, autores apontam afinidades entre a Revolução Francesa e a maçonaria (porque entre outras coisas aquela teria sido inspirada nos mesmos princípios universais: Liberdade, Igualdade e Fraternidade), fato é que ainda se discute a real participação da maçonaria na Revolução:

Para uns, a maçonaria foi a reboque da revolução aproveitando-se despudoradamente da sua influência para recolher dividendos políticos e sociais a fim de melhor abrir o caminho para a conquista do poder. Para outros a maçonaria teria sido a Alma Mater da revolução toda ela impregnada do espírito maçônico.
Possivelmente nem uns nem outros terão a razão do seu lado. Talvez ela esteja numa situação intermédia, porque se a revolução não foi um plano estritamente maçônico não há dúvida que ela teve como figuras de proa pessoas reconhecias e assumidamente maçons, tais como: D’Alembert, Diderot, Helvécio, D’Holbach, Voltaire, Condorcet, etc. [8]

Da burguesia francesa revolucionária, assim como dos militares e nobres revolucionários, boa parte integravam a maçonaria, e o ideal que os uniam à Revolução era o Liberalismo, pois esse afinal, era o pensamento de vanguarda. Contudo, na França revolucionária, é nos ideais liberais do pensamento de Rousseau, e de outros, que encontramos as origens teóricas do abolicionismo:

No pensamento revolucionário do século XVIII encontram-se as origens teóricas do abolicionismo. Até então, a escravidão fora vista como fruto dos desígnios divinos; agora ela passaria a ser vista como criação da vontade dos homens, portanto transitória e revogável. Enquanto no passado considerara-se a escravidão um corretivo para os vícios e a ignorância dos negros, via-se agora, na escravidão, sua causa. Invertiam-se, assim os termos da equação. Passou-se a criticar a escravidão em nome da moral, da religião e da racionalidade econômica. Descobriu-se que o cristianismo era incompatível com a escravidão; o trabalho escravo, menos produtivo do que o livre; e a escravidão uma instituição corruptora da moral e dos costumes.
Enquanto na Europa a revolução burguesa produzia seus frutos, no Brasil, os colonos que se sentiam cada vez mais reprimidos pela política metropolitana acolhiam com entusiasmo as novas ideias revolucionárias. No bojo dessas ideias havia, entretanto, algumas contradições fundamentais. Como conciliar o direito de propriedade que os senhores tinham sobre seus escravos com os direitos que os escravos tinham (como homens) à sua própria liberdade? Como conciliar a sujeição do escravo com a igualdade jurídica, que, segundo a nova filosofia, era um direito inalienável do homem?
(…)
Na época da Independência, os escravos viram suas aspirações à liberdade frustradas. Se bem que a Carta Constitucional de 1824 incluísse um artigo transcrevendo a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (cópia idêntica à original francesa de 1789), na qual se afirmava que a liberdade era um direito inalienável do homem, manteve-se escravizada quase a metade da população brasileira. A Constituição ignorou os escravos. Sequer reconheceria sua existência. A eles não se aplicavam as garantias constitucionais.
Não obstante esse flagrante desrespeito à humanidade do escravo, a consagração dos princípios liberais pela Constituição foi o primeiro passo em direção à criação de uma consciência crítica em relação ao sistema escravista. A questão que se apresentaria a partir daí era como justificar a escravidão em uma sociedade em que se aceitavam os novos princípios liberais. Como negar aos escravos os direitos humanos que, em princípio, aplicavam-se a todos?
Na época da Independência e muitos anos depois, a maioria da classe dominante no Brasil continuava a depender inteiramente do trabalho escravo. Por isso, fariam ouvidos surdos aos argumentos de uns poucos indivíduos que, identificados com as novas ideias ilustradas então em voga na Europa, denunciavam a contradição entre liberalismo e escravidão e condenavam a escravidão em termos morais, religiosos e econômicos. 
[9]

E isso foi feito, aos argumentos liberais de maçons, fizeram-se ouvidos surdos. Mas isso era sabido pelos maçons, a abolição viria por um processo, cada coisa a seu tempo. A luta dos liberais maçons no Brasil seria direcionada para a conscientização da população com jornais; para a criação de escolas públicas de formação liberal e laica, ou ajudando a pensar uma escola ideal, laica e pública para o Brasil, como assim foram os pareceres do ilustre maçom Ruy Barbosa[10]; seria pela filantropia; pela compra de alforrias; participação em fugas; projetos de leis; processos judiciais, etc. A maçonaria perseguiria os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, preparando a elite pensante para um novo tempo, inspirados pela Revolução Francesa. Nesse ponto, como organização, a maçonaria coordenou singularmente, o maior movimento abolicionista do Brasil.

A partir da Revolução Francesa, o Grande Oriente de França, constituído em 1773, ganha prestígio e emana as suas filosofias liberais, deístas, progressistas e enciclopedistas para as obediências em formação na Europa e na América. Vai disputar sua influência com as grandes lojas de Londres.

A influência da Grande Loja da França fez-se sentir na ainda frágil maçonaria portuguesa, e dessa para a brasileira. A filosofia francesa iria inspirar os maçons portugueses e brasileiros, agora que começariam a ser recrutados no seio da classe política e arrastando assim os ideais liberais que iriam marcar fortemente a política no Brasil no fim do século XIX.

A maçonaria brasileira participou do processo abolicionista como nenhuma de outro país participou, isso porque a abolição no Brasil foi tardia. Aqui, o florescimento da maçonaria, e seus ideais liberais na sociedade, chocou-se com a vigência da escravatura.

A maçonaria francesa, após a Revolução e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, viu abolida a escravidão em 4 de Fevereiro de 1794 na Convenção Nacional; o primeiro ministro reformista Marquês de Pombal, maçom inciado em Londres, aboliu a escravidão em Portugal e nas colônias da Índia a 12 de Fevereiro de 1761; mediante a Declaração de Emancipação (promulgada pelo presidente Abraham Lincoln – que chegou a visitar Lojas Maçônicas querendo ser um iniciado, mas a campanha presidencial o levou para outro destino -, na que foi declarada a liberdade de todos os escravos em 1863 e entrou em efeito pela primeira vez no final da Guerra Civil em 1865) os abolicionistas americanos obtiveram a libertação dos escravos nos estados em que continuava havendo escravidão, a despeito disso muitas Lojas norte-americanas, como a Grande Loja de Nova York, eram racistas e não aceitavam negros; A 23 de Agosto de 1833 foi aprovada o Slavery Abolition Act (Ato de Abolição da Escravidão) pelo qual desde 1 de Agosto de 1834 ficavam livres todos os escravos das colônias britânicas; a maçonaria brasileira foi a única a ter um posição oficial em relação à escravatura, formalizada por meio de uma lei interna.

Um projeto de Lei, apresentado pela Loja “América”, ao Grande Oriente Brasileiro em 4 de abril de 1870, ao Vale dos Beneditinos e subscrito por Ruy Barbosa, comprova a posição da mocidade maçônica, contrária à escravatura. É interessante por comprovar documentalmente o pensamento da maçonaria logo após a fundação da Loja “América” – o da necessidade da emancipação e não de uma simples “alforria generalizada”:

A Loja “América” apresenta à sábia consideração do Gr.’. Or.’. do Vale dos Beneditinos o seguinte projeto, requerendo sua conversão em lei geral e obrigatória para toda a Maçonaria estabelecida no país.
Art. 1º: Sendo verdade inconcussa que a emancipação do elemento servil e a educação popular são hoje duas grandes ideias que agitam o espírito público e de que depende essencialmente o futuro da nação, a Maçonaria brasileira declara-se solenemente a manter e propagar esses dois princípios, não só pelos recursos intelectuais da imprensa, da tribuna e do ensino, como também por todos os meios materiais atinentes a apressar a realização dessas ideias entre nós. (…)

A Abolição não foi mérito de um único grupo ou setor da sociedade, muitos fatores concorreram para que a escravidão se tornasse uma instituição abolida: a mecanização das fazendas, a substituição da mão-de-obra pela dos imigrantes, a pressão internacional, as ferrovias, a própria resistência dos escravos, o advento do liberalismo, os jornais, os abolicionistas, e as diversas instituições que lutavam pela abolição – dentre elas, a maior foi a Maçonaria.

Continua…

Autor: Márcio Antonio Silva de Pontes

Notas

[1] – BENIMELI apud BARATA, A. M. Freemasonry and Brazilian enlightenment. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, p. 78-79, jul./out. 1994.

[2] – Sua origem é localizada nas corporações de ofício dos pedreiros da Idade Média, no final do século XIV. Naquela época, não havia escolas capazes de ensinar as técnicas da construção em pedra, utilizadas principalmente em catedrais. Somente nas corporações, também chamadas guildas, aprendizes e mestres dividiam a ciência do talhe e se reuniam após o expediente para discutir o andamento das obras e defender sua profissão, como em um sindicato. Levavam às reuniões os instrumentos de trabalho, utilizados na composição dos projetos arquitetônicos – como o esquadro e compasso, que se tornaram símbolos da Ordem -, ou na atividade braçal – avental, malho e cinzel. Assim surgia a “maçonaria operativa”, preocupada com coisas práticas e restritas ao ofício

[3] – Site da Loja Comércio e Artes. Disponível em: . Acesso em: 10 dezembro 2009.

[4] – CASTELLANI, José. A maçonaria na década da Abolição e da República. Londrina: Editora A Trolha, 2001.

[5] – COSTA, Emília Viotti da. A ABOLIÇÃO. São Paulo: UNESP, 2008.

[6] – D’ALBUQUERQUE, Tenório. A Maçonaria e a libertação dos Escravos. Rio de Janeiro: Aurora, 1970.

[7] – FILHO, José Carlos de Araújo Almeida. O Ensino Jurídico, a Elite dos Bacharéis e a Maçonaria do Séc. XIX. 2005. 180 fls. Dissertação (Mestrado área de concentração Direito, Estado e Cidadania). Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro.

[8] – Respeitável Loja Ocidente de Portugal. Disponível em:. Acesso em 21 janeiro 2010.

[9] – COSTA, Emília Viotti da. A ABOLIÇÃO. São Paulo: UNESP, 2008.

[10] – FUNDAÇÃO CASA DE RUY BARBOSA. Obras completas de Rui Barbosa. Tomos publicados: Reforma do Ensino Secundário e Superior. Vol. 9, t. 1, 1882; Reforma do Ensino Primário e Várias Instituições Complementares da Instrução Pública. Vol. 10, t. 1 e 4, 1883.

 

Fonte: https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/2017/10/23/o-contributo-da-maconaria-para-a-abolicao-da-escravatura-parte-i/


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