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Embora tenha escrito As Raízes da Ritualística na Igreja e na Maçonaria em 1889 e suas Anotações sobre o Evangelho segundo João só tenham sido publicadas em 1893, Madame Blavatsky já falava do “Mito Solar” como um assunto batido, que todos já estavam fartos de conhecer e ouvir falar, não sendo necessário bater na tecla incessantemente.

Recentemente, o Mito Solar ganhou projeção através do documentário Zeitgeist, que o utilizou como arcabouço para sua primeira parte, em que tentava demonstrar como a imagem de Jesus que temos hoje é somente uma colagem de diversos mitos e características de deuses mais antigos, vindos da Grécia, de Roma, do Egito, da Pérsia, do Iraque, da Índia, entre muitas outras nações.

No meio do século XX, tivemos Joseph Campbell, com seus excelentes O Poder do Mito e O Herói de Mil Faces, material de pesquisa obrigatória para qualquer interessado ou apaixonado pela mitologia e pelas lendas da humanidade. Mesmo assim, é um assunto sobre o qual raramente escutamos – pelo menos, não foi nas aulas de Religião do colégio que aprendemos sobre religião comparada e o Sol como emblema da vida.

Então, temos duas perguntas a responder: primeiro, por que Blavatsky fala do Mito Solar como algo de conhecimento comum se hoje só escutamos sobre este assunto se procurarmos as fontes corretas? Segundo, o que exatamente é o Mito Solar e por que ele é importante para entender a Igreja, a Maçonaria e as religiões em geral?Falamos no começo sobre religião comparada, mas durante milênios, ninguém se dedicou a pegar os mitos, lendas e religiões de povos diferentes e compará-los, para encontrar similaridades e diferenças – até porque durante boa parte da história, você nascia em um lugar onde todo mundo fazia parte de uma única religião, acredita nas mesmas coisas e isso era um fato consumado. Se você nasceu em Damasco, no século VIII, você é muçulmano, fim. Se você nasceu na Alemanha, no século XVIII, é protestante. Se nasceu em Andorra em 1960, seguirá a religião estatal, o ateísmo.

Eventualmente, estudiosos de teologia, sociologia, antropologia, história e linguística [porque as palavras e a magia sempre estiveram intimamente ligadas] decidiram examinar com mais cuidado as religiões dos outros cantos do mundo. É nesse contexto que surge Max Müller, um dos fundadores do campo de religião comparada.

Max Müller nasceu em 1823 na cidade de Dessau, hoje Alemanha. Aos 27 anos, ele se tornou professor em Oxford, onde fez sua carreira sobre Indologia, o estudo da Índia. Foi sob seu comando que foram publicadas traduções mais precisas das escrituras orientais do hinduísmo, budismo, taoísmo, confucionismo, zoroastrismo, jainismo e islamismo.

Publicando esse material sagrado, Max Müller começou a perceber a semelhança entre suas lendas, seus mitos fundadores. Com pensamento crítico, ele foi ainda mais ousado e decidiu aplicar o mesmo raciocínio sobre a Bíblia, percebendo que ali também havia indícios dessa temática comum. No final do século XIX, ele publicou em conjunto com Alvin Boyd Kuhn a teoria do Mito Solar. Suas obras foram naturalmente controversas, sendo extremamente debatidas em todos os círculos da sociedade europeia e americana. É por isso que Blavatsky diz que o assunto é batido: ele estava sendo debatido há anos, a partir da pesquisa original de Müller!

O Mito Solar é a teoria de que as lendas e mitologias giram em torno de um deus solar [que não é necessariamente identificado com o Sol da forma como são Apollo, Helios ou Ra, podendo ter apenas características distintas dessa associação, como Herakles e Krishna], cujas vida, morte e ressurreição são uma representação do caminho que o Sol descreve no céu ao longo do dia e do ano.

Por exemplo, assim como o Sol nasce no Oriente e se põe no Ocidente, é comum o mito retratar um ser de grande sabedoria que nasce em alguma terra ao leste, viaja pelo mundo na direção oeste, espalha sua sabedoria [luz e calor] e finalmente morre no oeste. Ao morrer, o deus solar visita o Mundo Ctônio, a Mansão dos Mortos, a Morada Infernal, onde passa três dias [o tempo que a declinação do Sol se mantém em seu caminho mais baixo durante o Solstício de Inverno] ou três meses [a duração do Inverno] até renascer [o Sol volta a ter declinações maiores, os dias voltam a crescer em duração e calor; o Sol nasce novamente a cada dia].

É possível entrar em mais detalhes: o Sol atravessa os 12 signos do Zodíaco ao longo do ano e, por isso, o Mito Solar pode contar com 12 etapas – como os 12 trabalhos de Herakles ou os 12 filhos [na verdade, 13, se contarmos com Diná, mas ela é a Virgem e nós podemos juntar dois filhos em uma constelação para formar os Gêmeos] de Jacó [que deram origem às 12 tribos de Israel].

Como dissemos, no Solstício de Inverno, o Sol está mais “fraco” – os dias são curtos, as noites são mais longas, o clima é mais frio. A partir dessa data, o Sol começa a ficar mais “forte” – os dias aumentam de tamanho, as noites diminuem. Podemos dizer que os raios do Sol crescem – é por isso que Sansão mantinha sua força enquanto seus cabelos não eram cortados. Quando seus cabelos [os raios do Sol] foram ceifados por Dalila [representando a constelação de Virgem, que antecede o Equinócio do Outono no hemisfério Norte], sua força se foi [entre o Outono e a Primavera, os dias são mais curtos que a noite].

Os filisteus, que são os signos do Inverno [às vezes também representandos pelo Egito], levam Sansão [o Sol] enfraquecido para sua fortaleza e cegam seus olhos [tiram a luz dele]. Como último esforço, Sansão arrebenta as colunas em que está preso e derruba o templo do Inverno, abrindo espaço para o nascimento vindouro do novo Sol, quando estivermos no signo de Áries.

Natalis Dies Solis Invicti, o Dia de Nascimento do Sol Invicto, era comemorado no Solstício de Inverno, que é quando o Sol sai de seu estado mais fraco e cresce ao longo do ano. Se você reparou que “Natalis Dies” tem um som familiar é porque ele era comemorado no dia 25 de dezembro, que é celebrado como o nascimento de Jesus.

E é aqui que entramos no ponto mais delicado do Mito Solar – a história de Jesus também pode ser explicada [em parte] com esta teoria. Seu nascimento em 25 de dezembro. Sua peregrinação pela Judeia [o caminho do Sol pelo céu]. Seus 12 apóstolos [as 12 constelações, os 12 signos]. Sua coroa de espinhos [os raios solares enfraquecidos] e seu halo divino posterior [os raios solares fortificados]. Sua morte [o Sol se pondo; a declinação do Sol diminuindo; o Inverno] e ressurreição [o retorno da vida na Primavera; o Sol nascendo novamente no dia seguinte].

O simbolismo do Sol se tornou um ponto central do Cristianismo no século IV, na época em que o Imperador Constantinus I promulgou uma série de editos em favor da religião cristã. Em 321 A.D., Constantinus determinou que o dia de veneração oficial do Cristianismo não mais seria o sábado, o Shabbath dos judeus, mas o domingo, Sun-day, o dia do sol. Em português, o dia do sol passou a ser chamado de dia do Senhor, Dominus em latim.

O Sol pode ser utilizado inclusive como referencial da vida humana, como ocorre na Maçonaria e na Ordem DeMolay. Os primeiros anos de nossa vida são o Sol nascente, quando estamos aprendendo quem somos; o Sol meridiano é quando alcançamos a maioridade – temos um passado de lições e um futuro de ações; o Sol poente é o ocaso da vida, quando refletimos sobre o que vivemos, mas não nos desesperamos porque ele é somente precursos da vida eterna [sem contar que o Sol nascerá de novo, de novo e de novo, para mais lições, ações e reflexões].

O Mito Solar realmente é fascinante, mas devemos sempre tomar cuidado para não forçar nossa teoria mental sobre o mundo que existe de fato. Devemos sempre partir das evidências para gerar modelos e, então, buscar confrontá-los com evidências contrárias. É um erro comum criarmos uma hipótese bonita e ajustarmos todos os fatos para se encaixarem nessa fantasia.

A teoria do Mito Solar de Max Müller era severamente criticada por ser anticristã, ao falar sobre Jacó, José, Sansão e Jesus como alegorias do Sol. Contudo, a maior parte das críticas eram inócuas do ponto de vista teórico, sendo apelos à suposta autoridade absoluta da Igreja. O cura irlandês R. F. Littledale ofereceu uma crítica mais divertida e contundente. Ele escreveu um artigo demonstrando que Max Müller jamais existiu, mas era tão somente uma lenda baseada no Mito Solar!

Littledale diz que Max evidentemente vem de maximus, um título comum do Sol, idêntico ao sânscrito maha, enquanto Müller, nos dialetos germânicos, está ligado a “esmagar” e “moer”. Max Müller, então, seria o Mestre dos Moedores, por dois motivos – primeiro, como professor, sua função é “moer” os grãos do conhecimento para os alunos; segundo, como divindade solar, ele empunha o “moedor”, da mesma forma que Thor empunha o Mjölnir, com o qual esmaga os gigantes de gelo.

Max nasceu no Leste [Alemanha], mas se mudou para o Oeste [Inglaterra] para difundir sua sabedoria, da mesma forma que o Sol nasce no Oriente e se põe no Ocidente. Ter nascido na Alemanha é mais uma pista de sua natureza solar, referindo-se ao Germanus Apollo dos poetas latinos.

Müller dá aula em Oxford pelo mesmo motivo que a Bíblia descreve o céu como “as águas superiores” e Ra controla a barcaça solar – o céu seria um rio e o Sol, um barco a cruzá-lo. Sua cadeira em Oxford é seu trono no céu. O fato de Max Müller ser creditado como tradutor, não como autor dos Vedas, também é significativo em si – o Sol não cria o mundo, mas apenas permite que nós o vejamos.

O artigo procede explicando como Max veio das trevas, pois seu pai é Wilhelm, tendo relação com helm, elmo em inglês, aquilo que tapa a visão, escurece, enquanto seu assento fica em Oxford porque Apollo, o deus sol, jamais ocupava uma cidade principal, mas escolhia um recanto menor e mais sagrado, como Delphi, Delos e, no caso inglês, Oxford.

Fica claro, assim, que é importante entender o que é o Mito Solar e saber reconhecer suas características, mas não devemos cair na armadilha de achar que este é a única base da espiritualidade humana. Devemos aproveitar essa oportunidade para lembrar, como diz Albert Pike na preleção de Aprendiz de seu Moral e Dogma do Rito Escocês Antigo e Aceito, que é arrogância nossa acreditar que os povos antigos adoravam o Sol, a esfera flamejante que atravessa o céu.

A realidade é que eles adoravam o Ente do qual o Sol era o símbolo visível! Esse é o mesmo motivo pelo qual existiam templos para os sete planetas da antiguidade – não porque adorassem Mercúrio ou Marte, mas porque honravam os conceitos, princípios e seres que eram representados por esses planetas!

 

Fonte: http://arcanumeditora.com.br/o-mito-solar/

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