Françoise Jean de Oliveira Souza
A liberdade de consciência ecoou, também, no relacionamento da Maçonaria com a política profana. Na medida em que postula o direito dos homens de expressarem-se livremente e divergirem uns dos outros, a Maçonaria acabou acolhendo, em seu interior, homens de diferentes convicções políticas. Assim, com o intuito de evitar que questões não maçônicas perturbem as boas relações entre os obreiros, a Constituição de Anderson, proíbe as discussões de caráter político dentro das lojas, devendo os maçons submeterem-se às leis do seu país e não tomar parte em nenhuma conspiração ou motim.
As lojas britânicas, sempre próximas do trono e da nobreza, foram as que mais primaram pela defesa do caráter apolítico da instituição e de sua finalidade puramente filantrópica e filosófica, embora, em muitos casos, a própria defesa do não comprometimento com o jogo político apresente-se como uma maneira particular de realizá-lo. Entendemos, todavia, que, à exceção do caso inglês, este princípio recebeu múltiplas interpretações ao longo da história maçônica, sendo, inclusive, motivo para a cisão de muitas obediências.
Antônio H. Marques argumenta que a sujeição aos governos estabelecidos foi considerada, por vários maçons, como mais de caráter teórico e geral do que prático e aplicável a todos os países. Pedreiros livres de diferentes lugares interpretaram tal exigência como sendo anacrônica, uma vez que o maçom deve defender a legitimidade do poder político. No caso de sistemas políticos despóticos nos quais a liberdade individual e coletiva encontra-se cerceada, não só pertenceria ao maçom o direito de rebelar-se, como lhe caberia o papel de vanguarda nessa rebelião. Assim, enquanto algumas lojas, na tentativa de escapar do controle absolutista, optaram por conquistar a adesão dos monarcas e dos nobres à ordem maçônica, outras, por sua vez, apostaram numa intervenção política direta, como por exemplo, no caso dos movimentos de independência das colônias americanas. O fato é que, nas inúmeras disputas políticas que marcaram a história dos povos, maçons e Maçonaria encontraram-se presentes nos dois lados dos campos de batalha.
Outra divisa bastante propagada pela ordem dos pedreiros livres diz respeito às virtudes maçônicas. A loja é entendida, antes de tudo, como um local de aperfeiçoamento moral de seus homens. Assim, ao adentrar a ordem, o membro é instruído acerca da “moral universal”, terminologia maçônica referente a um conjunto de virtudes as quais se vê obrigado a praticar, tais como a bondade, lealdade, honra, honestidade, amizade, tranquilidade, obediência, fraternidade, etc. A prática das virtudes deve refletir-se no modelo de vida adotado pelos maçons fora das lojas. Assim, o maçom virtuoso deve, por exemplo, santificar a família e o lar, sendo um bom pai, um bom filho ou um bom esposo, condenando o vício do jogo e do álcool e insurgindo contra a imoralidade das modas e divertimentos nocivos. A “moral universal” maçônica, além de pretender nortear a conduta dos maçons, é também apresentada como parâmetro para a humanidade profana que, ainda em processo de evolução, deverá um dia alcançá-la plenamente. Deste modo, as lojas maçônicas desejam apresentar-se como um prenúncio desse mundo perfeito e virtuoso e, aos olhos do mundo profano, os maçons devem possuir uma conduta exemplar.
A fraternidade, entendida como auxílio mútuo, filantropia e um modo de convívio entre os irmãos, corresponde à virtude mais associada à sociabilidade maçônica. Diz a Constituição de Anderson que os maçons devem “praticar a caridade fraternal, que é a pedra fundamental, a chave, o cimento e a glória” da antiga confraria. Percebe-se que a Maçonaria, apresentada como uma associação de socorro mútuo, encontra na fraternidade a essência da instituição. Foi justamente esta concepção ampla de uma fraternidade que ultrapassa fronteiras internacionais e as barreiras religiosas e culturais que tornou a Maçonaria uma organização sui generis no contexto histórico em que foi constituída. Finalmente, comportando dois significados – a ajuda entre os irmãos da ordem e o socorro aos necessitados em geral – a filantropia subjacente à noção de fraternidade, tornou-se um instrumento de coesão entre os maçons, bem como a base de sustentação da instituição no mundo profano.
A fraternidade propalada pela Maçonaria dá-se, primeiramente, entre os irmãos da ordem. Em caso de vários necessitados em igual situação, o ato de caridade deve ter como alvo prioritário o iniciado na Maçonaria. De modo geral, a ajuda prestada aos irmãos corresponde ao auxílio material, em contexto de carestia, e o socorro às viúvas e órfãos de maçons que passaram para o “Oriente Eterno”. Os maçons veem-se, também, obrigados a acolher, proteger e ajudar da melhor maneira, os irmãos que, devidamente identificados enquanto membros da ordem provierem de outras regiões ou países. Por fim, a solidariedade maçônica reflete-se nas inúmeras outras relações estabelecidas entre os obreiros em espaços profanos. Ao fecharem acordos comerciais, por exemplo, os pedreiros livres são orientados a darem preferência ao elemento maçônico. Frente a isto, parece-nos claro que a estrutura de ajuda mútua, criada dentro da ordem maçônica, acabou por representar um importante instrumento de cooptação de homens para dentro da instituição, o que, por vezes, gerou distorções sobre o verdadeiro propósito da iniciação nas lojas.
Doutora em História e pesquisadora dos temas culturas políticas, Maçonaria, Igreja, sociabilidades, imprensa e religião.
Fonte: Revista de Estudios Históricos de la Masonería Latinoamericana y Caribeña
Fonte: https://grandeorientedorn.blogspot.com.br